O telefone toca. Atendo. Do outro lado da linha, uma voz de mulher, doce e feminina, diz: "Alô?". Quando eu respondo, a voz feminina some. No lugar dela entra um homem. Ele está falando de um lugar tão barulhento que mal consigo escutar o que ele diz. Ele está em um call center, um ambiente onde centenas de pessoas gritam ao mesmo tempo. O inferno deve ser um descanso para quem trabalha em um lugar assim.
O homem me informa que trabalha na empresa XYZ (não consigo entender o nome) e que está a serviço de uma operadora telefônica. Ele pede para falar com meu pai. Respiro fundo. Recebo várias ligações como essa todos os dias. Reúno a paciência que me resta e respondo: "Meu pai morreu há mais de dez anos. Já expliquei isso. Vocês continuam ligando. Por caridade, parem de ligar".
Eu digo isso, mas sei que é inútil. Ligarão outras vezes. A insistência é o ponto forte dos call centers. As ligações são controladas por um sistema. O sistema não se importa com o que eu digo. O sistema determinou que é preciso falar com meu pai. O fato de o meu pai ter morrido é irrelevante. O fato de eu informar isso é irrelevante.
A operadora não é a única empresa que inferniza minha vida com ligações. Outras empresas me ligam de números desconhecidos oferecendo serviços que não me interessam ou que já contratei. É uma guerra. Chovem mensagens de texto pedindo que eu confirme transações bancárias que não fiz, anunciando que ganhei sorteios inexistentes e tentando vários tipos de golpe. Mas nada supera as ligações incessantes.
Tentei bloquear os números. Mas eles têm um suprimento infinito de números diferentes. Deixei de atender números desconhecidos. Isso me prejudica gravemente. Sou pai; alguém da minha família pode precisar falar comigo em uma emergência usando um número que não conheço. Pessoas desconhecidas podem ter propósitos legítimos para me ligar. Perdi o direito de falar com essas pessoas.
É uma luta inglória. Quando atendo o celular, o sujeito diz: "Quero falar com o Sr. Roberto".
"É ele", respondo.
"O senhor poderia me confirmar os cinco primeiros números do seu CPF?"
"Qual é o assunto?"
"Para sua privacidade, antes de informar a razão da ligação, preciso que o senhor confirme seu CPF."
Respiro fundo: "Se você ligou para mim, você sabe quem eu sou".
"Senhor, preciso confirmar esses dados para que possamos estar lhe passando uma informação do seu interesse.”
"Então faz o seguinte: você diz o meu CPF e eu digo se está certo ou não."
"Senhor, este não é o procedimento-padrão."
Geralmente as ligações terminam aí e fico sem saber qual era o assunto. Considero um insulto o sujeito me ligar e exigir que eu informe dados pessoais para que ele me conceda o privilégio de me dizer o motivo pelo qual está me ligando.
Aqui eu abro parênteses. Fiz parte do processo de privatização das operadoras estatais que tinham o monopólio das comunicações no Brasil. Em 1999, fui contratado pelo consórcio Telemar, que se tornaria a Oi. Atuei na consolidação das 16 companhias regionais. Operou-se um milagre. Na era do monopólio, uma linha telefônica custava US$ 3 mil e o tempo de espera era de dois anos. Uma linha celular custava uma pequena fortuna. As linhas eram tão poucas que era preciso ganhar um sorteio para ter direito a comprar uma. A privatização mudou tudo. Hoje, o número de linhas de celular é maior que a população. Telefone fixo se tornou obsoleto. Serviços de telecomunicações se tornaram melhores e mais baratos.
Mas nem tudo são flores. Tratamento abusivo dos usuários parece ser a regra. A sensação é que o monopólio estatal foi convertido em um oligopólio indiferente aos clientes.
Voltemos ao meu drama.
Durante meses atendi ligações procurando por meu pai. Em determinado momento, tomado por um sentimento de impotência, e não sabendo mais o que fazer, desabafei em uma postagem nas redes sociais. O texto dizia:
"A Claro me liga 20 vezes por dia. Uso o telefone para trabalhar. A Claro me atrapalha. A Claro quer falar com meu pai. Meu pai morreu em 2010. Já expliquei isso centenas de vezes. Mas a Claro continua me ligando sem parar. Estou prestes a perder a confiança no livre mercado. Antes que isso aconteça, alguém aí sabe o telefone do presidente da Claro?"
A postagem teve enorme repercussão, com quase 50 mil likes, 5,5 mil comentários e 360 mil visualizações. Alguns comentários são preciosos:
"Não existe livre mercado nos serviços de telefonia. Existe um oligopólio totalmente regulado pelo Estado, sujeito a agências que servem aos regulados e que impedem o acesso da concorrência."
"Estou passando por isso. Como atrapalham. Já estou deixando de atender números diferentes, correndo o risco de, em meio a tanta perturbação, perder alguma chamada realmente importante."
"A Claro e a Tim me ligam também! Uma pouca vergonha! Insuportável."
"Se conseguir falar com ele, apenas peça para parar com isso. Porque eu também não aguento mais!"
"Tu és alguns milhões de brasileiros que não têm paz para trabalhar! Se não é essa operadora, é outra, ou outra, ou outra."
"Além disso, a Anatel tem mais o que fazer, caçando 'usuários perigosos e antidemocráticos' do X/Twitter."
"Gente, por que fazem tanta ligação? Não aguentamos mais e não sabemos a quem recorrer sobre esses abusos."
"Com essa turma não adianta ser Claro."
A repercussão fez com que a operadora entrasse em contato. Finalmente entendemos o que estava acontecendo. As ligações procurando por meu pai tinham origem em uma pendência de R$ 40,00 relacionada com uma assinatura de TV a cabo do apartamento onde ele morava. A assinatura fora cancelada no início do ano. Os técnicos recolheram os equipamentos e realizaram o cancelamento. Restou uma pendência de R$ 40,00 (cuja origem desconheço). A Claro poderia ter enviado um boleto, que teria sido pago. Em vez disso, as tropas do call center começaram a ligar sem parar.
Foi um erro básico no tratamento de clientes. Quando tornei pública minha situação, descobri que muitos usuários, de quase todas as operadoras, têm relatos similares. O melhor caso foi o de um amigo que é, ele próprio, presidente de uma operadora. Ele foi contatado por um representante comercial - terceirizado - de um de seus concorrentes. Sem fazer a menor ideia de quem era a pessoa do outro lado da linha, o representante informou ao meu amigo que a operadora da qual ele era cliente - e presidente - estava prestes a falir, e por isso ele deveria migrar para uma outra empresa.
É inacreditável que as operadoras transformem seu próprio serviço em instrumento de abuso. É como se uma companhia de água e esgoto envenenasse a água que distribui. É um comportamento suicida, que antagoniza os usuários e que desaguará, inevitavelmente, em pedidos por mais regulamentação, criando um ciclo negativo com potencial de apagar boa parte dos ganhos da privatização.
As operadoras precisam acordar. Estratégias precisam ser revistas, e procedimentos, completamente redesenhados.
No meu post, de forma irônica, eu pedi o telefone do presidente da Claro. Na verdade, eu gostaria de dizer aos presidentes de todas as operadoras: "Honrem a confiança que os clientes depositam em vocês. Parem com esse abuso. O objetivo da privatização das telecomunicações não era criar um oligopólio arrogante, alienado dos usuários, que usa táticas comerciais predatórias".
Eu tenho mais uma coisa para dizer aos presidentes das operadoras. Mas, antes que eu possa revelar essa informação, preciso que cada um deles me confirme os cinco primeiros dígitos do seu CPF.