Uma
visão americana do fenômeno brasileiro
Por Brian Winter
Todas
as manhãs, ao ler os jornais brasileiros e navegar pelo Twitter, sinto vontade
de largar minha xícara de café, abrir a janela, virar minha cabeça para o sul e
gritar:
"Como
vocês podem cometer os mesmos erros que nós cometemos? Vocês
não viram como pisamos na bola?"
Pelo
menos uma dúzia de vezes na campanha de 2016, os repórteres e comentaristas
políticos mainstream aqui nos Estados Unidos aproveitaram alguma gafe para
declarar que a candidatura de Donald Trump estava morta. Logo no primeiro dia,
quando Trump se referiu aos imigrantes mexicanos como "estupradores", o New York Daily News proclamou
em sua primeira página: “Palhaço concorre à Presidência”. Quando ele
ridicularizou o herói de guerra republicano John McCain, a revista eletrônica Politico declarou que "Trump pode ter finalmente cruzado a linha". Quando atacou a família de um
soldado americano morto em combate, um ex-assessor de Barack Obama previu com
confiança: "Um homem insensível e cruel como este não pode ser presidente".
Sabemos
agora que essas "gafes" tiveram o efeito oposto. Em uma eleição tradicional - mesmo em 2012 -, elas poderiam ter destruído o candidato. Mas neste novo mundo
antiestablishment e antipolítica, as declarações inflamadas de Trump provaram
aos eleitores que ele não era como outros políticos. Em vez de se sentir
ofendido, um eleitorado furioso viu um caminho seguro para a mudança que
desejavam.
Esse
padrão se repetiu, até certo ponto, na Polônia, na Itália, na Grã-Bretanha e no
México, entre outros países. Deve ser agora do conhecimento comum. Na semana
passada, no entanto, luminares brasileiros cometeram os mesmos erros de
interpretação em relação à versão tropical de Trump, Jair Bolsonaro. Seus
fracassos na busca de um companheiro de chapa, sua admissão para O Globo de que "realmente não entendo de economia" e sua foto de "pistoleiro" ao lado de uma
garotinha foram apresentados como novas evidências de seu fracasso iminente.
Sim,
sim. Eu sei que o Brasil não é como os Estados Unidos.
O
Brasil é pior.
O
que eu quero dizer é o seguinte: enquanto os Estados Unidos vêm criando
empregos desde 2010, o Brasil destruiu aproximadamente 2,8 milhões de vagas
formais nos últimos anos. A candidata do establishment americano foi envolvida
numa controvérsia fabricada sobre seu servidor de e-mail, enquanto vocês
tiveram o maior caso de corrupção já visto. Os crimes nas cidades dos EUA têm
caído de forma constante desde os anos 1990, enquanto… Bem, você entendeu. Se
os americanos estavam furiosos o bastante com a corrupção, a violência urbana e
a economia para votar em 2016 em um demagogo despreparado, imagine o que os
brasileiros farão em outubro.
Para
ser claro, não acredito que uma vitória de Bolsonaro seja inevitável. Ainda é
possível que, em um segundo turno, a maioria dos eleitores decida que seus
pontos de vista sobre democracia, minorias, direitos humanos e armas não os
representam. Bolsonaro tem problemas ainda maiores com as mulheres eleitoras do
que Trump teve. Acredito, porém, que a sabedoria convencional das eleições
anteriores deve ser tratada com enorme ceticismo ou mesmo ser totalmente
descartada. Antigas certezas, como "os eleitores brasileiros não votam em
radicais", "o tempo de TV decidirá as eleições", "as alianças partidárias são
importantes" e "quem ganhar não terá escolha a não ser governar do centro" - li
alguma versão de todas elas nos últimos dez dias -, soam como um caso clássico
de um exército lutando em guerras passadas, em vez da atual.
De
fato, como alguém que ainda sofre de transtorno de estresse pós-Trump, meu
humilde conselho para você, a 70 e poucos dias da eleição, é: ignore a maior
parte do que suas elites dizem.
Com
todo o respeito a meus amigos da mídia brasileira, eu temo que seus comentários
sejam ainda mais descolados da realidade do que os nossos. Muito se fala nos
Estados Unidos sobre a diferença entre as costas, onde reside a maioria dos
jornalistas políticos, e o interior do país - onde vive a maioria dos eleitores
de Trump. Mas a distância entre analistas políticos e jornalistas de São Paulo
ou de Brasília em relação ao restante do Brasil, em um país onde
aproximadamente 84% dos eleitores ganham menos de cinco salários mínimos por
mês - cerca de R$ 4.700 -, certamente é ainda maior. Enquanto isso, jornais e
revistas sofreram muito com o declínio da receita - a circulação da Folha de S.Paulo, um dos
maiores jornais do país, despencou 23% desde a última eleição -, sendo privados
dos recursos para cobrir adequadamente histórias em lugares como o interior de
Minas, da Paraíba e do Mato Grosso, onde esta eleição provavelmente será
decidida.
Nos
Estados Unidos, o fracasso da classe política em antecipar uma vitória de Trump
levou à introspecção e à autoflagelação nos dias e semanas após o 8 de novembro
de 2016. Hillbilly
Elegy (Era
uma vez um sonho, na edição brasileira), um livro de memórias sobre
famílias pobres em Kentucky e Ohio, tornou-se um best-seller número um - em
grande parte graças a jornalistas e analistas que queriam entender melhor o
país de Trump. Alguns veículos nacionais, incluindo o Washington Post e a
agência Reuters,
fizeram questão de se expandir no meio do país, apesar dos orçamentos
apertados, para evitar serem pegos de surpresa novamente.
Um
movimento semelhante pode chegar ao Brasil, independentemente de quem vencer em
outubro. Até lá, é aconselhável identificar - e ouvir - vozes fora dos círculos
principais. Elas podem ser de pessoas nos ônibus, na fila do supermercado ou em
pequenas estações de rádio. Foram essas pessoas que, aqui nos EUA, viram a
vitória de Trump chegando. Elas podem ser os melhores analistas políticos em
2018.
Brian Winter é brasilianista
e editor-chefe da revista Americas
Quarterly