Por Percival Puggina
Minha mulher costuma dizer que eu não deveria
assistir comédias em cinemas porque incomodo os outros espectadores com minhas
incontroláveis gargalhadas explosivas. Há que explicar ao leitor que embora eu
pareça um sisudo conservador, raramente estou sério na vida privada. Quem
convive comigo sabe disso.
O humor é um dos privilégios da humanidade; o bom
humor é uma graça divina no cotidiano; saber rir de si mesmo é receita contra
volumoso catálogo de maus sentimentos.
Com isso, estou dizendo que bons humoristas
contam-se entre meus artistas preferidos. Eles têm habilidade para provocar o
riso e ainda por cima ganham dinheiro com isso. Coisa melhor? Poucas. Alguns
dos meus textos alcançam o primeiro degrau do humor, aquele onde opera a
ironia, uma produtora de exclamações e sorrisos que raramente dá razão a
gargalhadas. Aliás, ironia que causa gargalhadas, de regra, tem efeito
destrutivo sobre seu objeto. Convém evitar.
Tornou-se consensual entre quem analise as ideias e
as forças políticas atuantes no mundo civilizado, que os fundamentos da
Civilização Ocidental estão sob ataque. Ataca-se a família de forma tão
violenta que ela vai perdendo seu papel de célula nuclear da sociedade. Em nome
da laicidade atacam-se as manifestações de fé e se interdita o argumento
religioso em debates de interesse público. Atacam-se os deveres para ressaltar
a prioridade dos direitos. Exalta-se a liberdade sem limites, a ponto de ser
reivindicada sua libertação do jugo que a responsabilidade impõe. Destroem-se
os valores e os princípios. Relativiza-se a verdade, trocando-a por uma ilusão,
uma ideia, uma utopia. Destrói-se o belo e se difunde o horrendo; nega-se o bem
e se alardeia o mal; reinventa-se a justiça. Tudo em nome de uma reengenharia
do indivíduo e da sociedade. Derrubados esses obstáculos, a humanidade estará
pronta para o totalitarismo que lhe for imposto.
Se alvos tão essenciais são atacados e se
consideramos conveniente defendê-los, conhecer os meios que o adversário
utiliza é tão importante quanto conhecer o adversário. Não se pode dissociar
dessa identidade quem opera para produzir tal resultado. Assim, um grupo de
comediantes dedicado às tarefas catalogadas no parágrafo anterior, que se põe a
vilipendiar o sagrado, não pode deixar de ser identificado como de fato é:
inimigo em ação. O que ele faz não é humor. É mau humor. É agressão, perversão,
ultraje, afronta.
Apontar a gravidade e o caráter socialmente
malévolo de sua produção, externar indignação com a falta de respeito, declarar
desagrado a seus patrocinadores, boicotar uns e outros, são procedimentos
sadios e democráticos. Exercício simétrico do direito de opinião. Confundir
isso com censura é uma silenciosa submissão à estratégia socialmente corrosiva
do inimigo.
Quem age contra a civilização a que pertence sofre
de endofobia, que é a rejeição ao grupo, à nação, à cultura, ou à civilização
da qual faz parte.
Percival Puggina (74), membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site
www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de
"Crônicas Contra o Totalitarismo", "Cuba, a Tragédia da Utopia", "Pombas e Gaviões",
"A Tomada do Brasil". Integrante do grupo Pensar+.
Fonte: http://www.puggina.org
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