Por Percival Puggina
A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que
a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe
malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou
roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou
destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça (Ruy
Barbosa, em "A imprensa e o dever da Verdade").
Se o leitor destas linhas for observador atento dos
fatos e mora em Porto Alegre, deve ter percebido a mobilização da mídia para
evidenciar à opinião pública e aos senhores vereadores, a inconveniência de
aumentar os subsídios do próprio cargo, bem como do prefeito e seu vice.
Recuaram os edis de sua intenção, percebendo a péssima repercussão da
iniciativa num ano em que o contribuinte arcará com pesada majoração do IPTU.
No cenário nacional, os leitores certamente
observaram o correto empenho da imprensa em combater a destinação de R$ 3,8
bilhões para a campanha eleitoral de 2020. Os parlamentares reconheceram que o
aumento custaria caro a eles politicamente. Recuaram de sua intenção diante da
pressão da grande imprensa, das ruas e das redes sociais.
No entanto cabe perguntar, por que o desinteresse
da imprensa em cumprir o mesmo papel quando o Congresso aprova uma Lei de Abuso
de Autoridade que vai inibir a persecução penal, jogando insegurança em todas
as autoridades envolvidas no processo? Onde foi parar o dever de enxergar o que
lhe malfazem, devassar o que lhe ocultam e velar pelo que interessa à
sociedade?
Durante muitos anos, atribuí a criminalidade solta
e ativa nas ruas à formação ministrada nos cursos de Direito que seguem o
bate-bate do metrônomo ideológico. Segundo ele, o ser humano é perfeito, o
capitalismo o degenera e, por isso, do criminoso não se poderia esperar outra
conduta. Ele é um agente na mesma revolução em que operam tais mestres. A
tarefa dos intelectuais em posição de poder é devolver o parceiro rapidamente
às ruas. Tornou-se evidente, agora, que há outro fator intervindo para manter a
impunidade. Refiro-me ao parlamento onde matérias restritivas à persecução
penal têm tramitação urgente enquanto matérias para acelerar o ritmo processual
e manter bandido preso não são do gosto e não despertam entusiasmo no plenário.
O interesse próprio tanto acelera algumas deliberações quanto breca outras. E a
grande mídia? Nada!
Todo dia, criminosos com várias passagens pela
polícia, ficha criminal extensa, mas em inaceitável liberdade, continuam
matando e roubando. E a sociedade que se dane.
Que Senado e Câmara fazem um jogo de cena, enrolam
e não votam, está todo mundo vendo. A questão que me incomoda, também
indignaria Ruy Barbosa: por que a grande imprensa não pressiona? Por que não
aponta responsáveis pela resistência às mudanças, sejam elas por emenda à
Constituição, sejam por lei ordinária? Por que divulgaram que o pacote
anticrime do ministro Moro "sofreu alterações" quando, na verdade, foi
desfigurado para produzir, em alguns casos, o oposto do que pretendia o projeto
original?
Seria de se esperar. Afinal, considero gravíssimo
que o STF tenha acolhido, depois de dezenas de crimes julgados, a tese que
inventou o adereço processual segundo o qual o denunciado fala depois do
denunciante nas rotineiras e inócuas alegações finais dos processos. E digo o
mesmo da ultrajante decisão do STF que empurrou o trânsito em julgado para o
dia de São Nunca. Tudo irrelevante para a mídia.
Se a imprensa dedicasse às atividades dos demais
poderes contra o bem comum e no interesse próprio 10% do empenho com que
acompanha, escrutina e critica o governo, o combate à criminalidade andaria
mais adiantado e nossa segurança ampliada.
Percival Puggina (75),
é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor
e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no
país. Autor de "Crônicas Contra o Totalitarismo", "Cuba, a Tragédia da Utopia", "Pombas e Gaviões", "A Tomada do
Brasil". Integrante do grupo Pensar+.
Fonte:
http://www.puggina.org
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