Por Diego Escosteguy
A
trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade não foi uma mera fatalidade. O
rojão que o matou fora aceso há meses. Coube aos dois mascarados apenas acabar
o serviço. Quando o rojão finalmente explodiu, é possível que ele não estivesse
apontado intencionalmente a Santiago. Mas isso não interessa.
Não
interessa porque, numa República, não há vidas mais importantes do que outras.
A vida de Santiago era tão preciosa quanto a vida de qualquer cidadão. Qualquer
jornalista. Qualquer Policial Militar. Qualquer Black Bloc. Em suma, de
qualquer um que pudesse estar no caminho do rojão naquela tarde de quinta-feira
na praça Duque de Caxias.
Num
país em que se reduz todo ato de barbárie a uma fatalidade, seja matar um
jornalista ou trancar um adolescente pelo pescoço a um poste, tudo é permitido.
E, num país de fatalidades, ninguém é responsável por nada. A morte de Santiago
não poderia ser exceção.
Uma
fatalidade? Diga isso a Arlita Andrade, viúva de Santiago, e aos seus quatro
filhos. Diga a ela que não havia como ser diferente. Que a dor dela era
inevitável. "Minha família foi destruída", disse Arlita, como dizem tantas
viúvas da violência que define nosso país.
A
família de Arlita foi destruída pelos dois mascarados - que, como acontece numa
democracia, terão direito à ampla defesa e serão julgados pelo o que fizeram.
Mas a família de Arlita não foi destruída apenas pelo que fizeram ambos os
suspeitos. Os atos dos dois não surgiram no éter. Sobrevieram num momento de
ascensão, no Brasil, de um discurso de intolerância, de ódio mesmo, em relação
às principais instituições que dão sentido ao país.
É
o discurso que, há meses, acendeu o rojão contra a democracia brasileira. Um
discurso que define como vilões da nação a imprensa, os políticos e as demais
instituições do Brasil. Um discurso que aparece nos gritos dos black blocs, mas
que nasce e se propaga em blogs e sites governistas, financiados com dinheiro
público com a missão de difamar a imprensa profissional. Os responsáveis por
esses veículos, a pretexto de defender o pluralismo político, dedicam-se -
sub-repticiamente e usando máscaras tão negras quanto às dos jovens que
explodem rojões nas ruas - a achincalhar jornalistas, procuradores, políticos.
As
ideias dos mascarados digitais tomam forma nas ações dos mascarados da rua. Não
à-toa, 114 jornalistas foram feridos desde o começo dos protestos, em junho
passado. Acossados por black blocs, mas também pela polícia, repórteres têm que
aderir ao anonimato para poder trabalhar. Mas as vítimas não são apenas
jornalistas como Santiago. O rojão que o matou ainda não acabou de explodir.
Está à espera de mais fatalidades.
Diego Escosteguy é diretor da sucursal de Brasília da revista "Época"
Fonte: "Blog do Noblat"
Nenhum comentário:
Postar um comentário