Por Ricardo Setti
Sim, muitos leitores vão
dizer que o julgamento do mensalão virtualmente terminou como terminou graças a
ele, o ministro Celso de Mello.
Terminou com prisão em
regime aberto até para José Dirceu, que o Ministério Público considerou o "chefe da quadrilha", tese aceita pelo Supremo Tribunal até que houve a
reviravolta provocada pelo exame dos embargos infringentes - graças a uma
alteração na composição da corte que levou à aposentadoria dois
ministros extremamente rigorosos com os mensaleiros por outros dois, mais
compreensivos.
Celso de Mello é
considerado por muita gente do ramo o melhor ministro do Supremo. Infelizmente,
para quem desejava cadeia dura para os mensaleiros, ele chegou à conclusão,
após muito estudo, de que a Constituição e as leis asseguravam aos já
condenados os embargos infringentes, e os admitiu para exame.
Isso não impediu, porém, de
o ministro, na sessão decisiva que - infelizmente - terminou por absolver
petistas graúdos da acusação de formação de quadrilha, reduziu-lhes as penas e
lhes permitirá o cumprimento de uma punição branda, expusesse um voto
brilhante que, entre outros pontos, desconstruiu a tese de que o mensalão não
teria passado de uma "farsa".
- Esse processo, ao
contrário do que se afirmou, tornou claro que os membros da quadrilha, reunidos
em uma verdadeira empresa criminosa que se apoderou do governo, agiram como
dolo de planejamento, divisão de trabalho e organicidade, uma sofisticada
organização criminosa - bradou o ministro, para acrescentar, em outro ponto:
- O julgamento foi
plenamente legítimo e solidamente estruturado em provas lícitas, válidas e
produzidas sob a égide do contraditório. A maior farsa da história política
brasileira residiu nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente
transgressores da ética republicana e juridicamente desrespeitadores das leis
criminais do país, comportamentos perpetrados por delinquentes agora
condenados, travestidos da então condição de altos dirigentes governamentais,
políticos e partidários, cuja atuação dissimulou e ludibriou acintosamente o
corpo eleitoral, fraudou despudoradamente os cidadãos dignos do país, quando na
realidade buscavam, por meio escusos e ilícitos, por meio de condutas
criminosas, articular, corromper o exercício do poder e ultrajar a dignidade
das instituições republicanas.
Este blog considera que é
um registro importante publicar, NA ÍNTEGRA, o voto do ministro Celso de Mello.
É peça para a história.
Quem deixar de ler por
estar irritado com o ministro estará perdendo uma peça antológica.
Que é a seguinte:
"27/02/2014
PLENÁRIO
EMB.INFR. NA AÇÃO
PENAL 470 MINAS GERAIS
V O T O
O SENHOR MINISTRO
CELSO DE MELLO:
O meu voto,
Senhor Presidente, com a vênia
daqueles que pensam de forma contrária, nega provimento
aos presentes embargos infringentes.
Ao assim julgar, reafirmo
os votos que anteriormente
proferi sobre a matéria, neste
mesmo processo, nas sessões
plenárias de 2012.
Acompanho, portanto,
o substancioso voto que
o eminente Ministro LUIZ FUX, Relator, proferiu na sessão
de ontem, dia 26 de fevereiro.
Quero observar – e o faço com a vênia daqueles eminentes
Juízes desta Corte que pensam
diversamente – que o Supremo Tribunal Federal, ao proceder à operação de
dosimetria penal relativamente
ao crime de quadrilha, fez
corretíssima aplicação do método trifásico, identificando, com plena e pertinente fundamentação, a existência de diversos fatores negativos
(que foram reputados desfavoráveis
aos condenados) no exame
das circunstâncias judiciais a que alude o art. 59 do Código
Penal, valorando-os
de modo adequado e proporcional à
gravidade da conduta punível, tipificada no art. 288 do Código
Penal, em que incidiram
os ora embargantes.
Foi uma resposta
penal severa do Estado, em justa e necessária reação do
ordenamento jurídico ao comportamento
delinquencial gravíssimo dos condenados, ora recorrentes.
Inexistiu, portanto, segundo penso, qualquer incongruência jurídica ou interpretação arbitrária dos
fatores subjacentes à exacerbação da pena-base ou inconsistência sistêmica, por parte desta Suprema Corte, na concreta aplicação da sanção
penal aos ora embargantes em razão
de seu comportamento delituoso pela
prática do crime de quadrilha.
Fonte: Veja.com
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