Por Ruy Fabiano
A
defesa dos direitos humanos, imperativo civilizatório, perde sentido e
substância quando contaminada pelo viés ideológico. Direitos humanos não são
nem de direita, nem de esquerda; ou se aplicam a todos ou apenas
instrumentalizam um projeto de poder, o que configura mais um tipo de violação.
É
o que tem ocorrido no Brasil há já muitos anos, ao ponto de sua simples menção
provocar mais suspeita que conforto em grande parte da sociedade. Isso porque
raramente as organizações humanitárias preocupam-se com o destino das vítimas,
concentrando-se habitualmente nos agressores ou naqueles que personificam a
luta política que consideram emblemática.
Vejamos
os fatos mais recentes. O ajudante de pedreiro Amarildo de Souza desapareceu de
sua residência, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, em julho do ano
passado.
As
investigações indicam que foi morto por PMs. Mas, bem antes de sua morte estar
evidenciada, fez-se campanha nacional, de grande repercussão, para denunciá-la.
Muito justo e necessário. Artistas interrompiam shows para reclamar de seu
paradeiro.
Porém,
dia 2 passado, a PM Alda Rafael Castilho, de 22 anos, foi covardemente
assassinada, com um tiro no estômago, em seu posto na UPP de Vila Cruzeiro, no
Rio.
Eram
15 os bandidos, que balearam outro PM, Melquisedeque Basílio, de 29 anos, e
atingiram, com balas perdidas, um casal, sendo que a moça, Elaine Mariano,
ferida na cabeça, está em estado grave no hospital. Alda foi o oitavo policial
morto desde que as UPPs se instalaram, em 2008.
Alguma
manifestação? Algum artista interrompeu seu show para reclamar sua morte? Algum
muro na cidade para lembrar o crime? Alguma ong empenhada em auxiliar a família
das vítimas? Alguma declaração da ministra dos Direitos Humanos? Não.
O
episódio circunscreveu-se ao noticiário de jornal. Policial, segundo se
depreende de tal silêncio, não é humano - e, portanto, não tem direitos. Vamos
em frente.
No
dia 3 passado, em São Luís, Maranhão, bandidos tocaram fogo em um ônibus cheio
de passageiros. Vários feridos e uma criança de seis anos, Ana Clara Santos
Souza, carbonizada. O crime chocou a opinião pública, mas não se tem notícia de
qualquer protesto por parte das ongs humanitárias ou qualquer pronunciamento da
ministra dos Direitos Humanos.
Dia
11, Kaíque Augusto Batista dos Santos, de 17 anos, foi encontrado morto em São
Paulo, embaixo de um viaduto, com o rosto deformado e uma fratura exposta na
perna.
Antes
que a perícia se manifestasse, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do
Rosário, ao saber que se tratava de um negro e homossexual, resolveu todo o
enigma: o rapaz fora assassinado por homofóbicos racistas. Aproveitou, em nota
oficial, para pedir rapidez na aprovação da lei que criminaliza a homofobia.
Ato
contínuo, organizações de homossexuais, ongs de direitos humanos e partidos de
esquerda entraram em cena para reverberar as palavras da ministra. Chegaram a
fazer uma manifestação de protesto no local. Dias depois, o diagnóstico da
polícia, reconhecido pela família, silenciou o protesto: Kaíque se suicidara.
Seu cadáver perdeu então importância.
No
dia 31 passado, um adolescente negro foi espancado e amarrado a um poste no
bairro do Flamengo, Rio. Ele teria praticado roubos nas redondezas e fora
justiçado por rapazes de classe média, que, na ausência da polícia, decidiram
agir como milicianos. Um absurdo, claro.
Porém,
o alarido que as mesmas organizações promoveram em defesa do rapaz - justa,
diga-se - contrasta com o silêncio em torno da morte da PM Alda e da menina Ana
Clara.
Em
São Paulo, dia 25 passado, a polícia baleou o black bloc Fabrício Proteus
Chaves, de 22 anos, que investira contra um policial com um estilete na mão. A
mesma turma dos direitos humanos, antes que as imagens colhidas do episódio
viessem à tona - e comprovassem que a polícia agiu em legítima defesa -
julgaram e condenaram os PMs.
Fabrício
tinha em sua mochila, entre outros artefatos, duas bombas caseiras e uma chave
inglesa, usada para quebrar vitrines e caixas eletrônicos. O episódio serviu
também para que diversos personagens do meio político e artístico reiterassem a
legitimidade da ação predadora dos black bloc.
No
Rio, dois black bloc mataram o cinegrafista Santiago Andrade. Antes que as
imagens fossem divulgadas – e mostrassem a autoria efetiva -, um repórter de TV
disse ter visto a polícia jogar a bomba. Abriu-se uma discussão para atenuar o
crime. Os rapazes não queriam matar o cinegrafista. Quem então? Um policial?
Talvez. Não haveria tanto barulho. Polícia não é gente.
Esta
semana, em Brasília, uma manifestação do MST feriu 30 PMs, sendo oito em estado
grave. Alguma solidariedade às famílias, alguma declaração da ministra contra a
violência? Nada.
Indignação
seletiva é sempre falsa - e, em vez de combater a violência, realimenta-a.
Ruy Fabiano é jornalista.
Fonte: "Blogdo Noblat"
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