Por Reinaldo Azevedo
Embora ninguém consiga entender direito o que
querem Marina Silva e Eduardo Campos, vejo muita gente dar certo suspiro de alívio,
como se houvesse um sopro renovador na política. Ele é, a meu ver, enganoso
(ainda teremos muito tempo para tratar do assunto), mas entendo os motivos.
Ainda que Lula continue a ser o político mais popular do Brasil e pudesse se
reeleger presidente no primeiro turno, há um crescente cansaço com sua
ladainha. O programa de TV do PSB, diga-se, explorou essa sensação. O próprio
Eduardo Campos sintetizou: "Chega de dizer que no passado já foi pior". Isso,
convenham, pode ser uma síntese da pregação de Lula. O ex-presidente
participou, nesta quinta, do encerramento da 3ª Conferência Global de Combate
ao Trabalho Infantil, promovido pela OIT (Organização Internacional do
Trabalho), órgão ligado à ONU. É evidente que convidar alguém como ele para
discursar num evento como esse implica dar um viés partidário, de política
local, ao que deveria ser, como diz o nome, um acontecimento global. E o homem
estava num daqueles dias em que foi pródigo, generoso mesmo, nas bobagens.
Ficou claro por que ele e seus tontons-maCUTs odeiam tanto a imprensa livre.
Lula nunca entendeu para que serve e qual é o papel dos jornalistas. Demonstrou
isso mais uma vez.
Referindo-se ao trabalho da imprensa, afirmou:
"Você [Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social] foi criticada agora porque clonaram 80 carnês do Bolsa Família. Em vez de a manchete do jornal ser uma crítica aos clonadores, era uma crítica dizendo que tinha fraude no Bolsa Família. Se tivessem roubado um banco, dizia: 'assaltante rouba banco'. Como foi assaltante roubando o Bolsa Família, é o Bolsa Família que tem problema. Nós estamos acostumados a tomar bordoada e eles sabem que temos casco de tartaruga, somos teimosos e estamos no caminho certo".
"Você [Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social] foi criticada agora porque clonaram 80 carnês do Bolsa Família. Em vez de a manchete do jornal ser uma crítica aos clonadores, era uma crítica dizendo que tinha fraude no Bolsa Família. Se tivessem roubado um banco, dizia: 'assaltante rouba banco'. Como foi assaltante roubando o Bolsa Família, é o Bolsa Família que tem problema. Nós estamos acostumados a tomar bordoada e eles sabem que temos casco de tartaruga, somos teimosos e estamos no caminho certo".
A afirmação tem casco, sim, mas não é de tartaruga,
um bicho meio mal-encarado, convenham, mas que não escoiceia ninguém nem emite
estranhos zurros à guisa de pensamento. Se aparecem fraudes no Bolsa Família,
está entre as atribuições da imprensa denunciá-las ou, quando menos, noticiar a
sua existência. A comparação com o banco é estúpida. Dificilmente um assalto
poderá ser atribuído a mecanismos ineficientes de controle, menos ainda, por
razões óbvias, a uma manejo fraudulento de uma política pública. Ainda assim,
caso a imprensa constate que a segurança da agência é ineficaz ou errada, isso
será notícia.
Lula finge ignorar a dimensão pública do trabalho
da imprensa. Gostaria que jornalistas se comportassem como meros policiais do
regime petista: dada uma falcatrua qualquer, o jornalista se concentraria,
então, nos erros do "bandido", ignorando as falhas da administração que
eventualmente facilitaram a ação de larápios. Há mais: a depender do caso, o
bandido em questão e os próprios gestores estão associados, em conluio. Pior
ainda: larápios e gestores públicos podem estar unidos a um partido político, e
a safadeza pode fazer parte de um projeto de conquista do Estado, como foi o
caso do mensalão, o maior escândalo - VIU, MINISTRO BARROSO? - da história da República.
Tratou-se, como se sabe, de uma tentativa de golpe nas instituições.
O principal papel do jornalista que se respeita,
senhor Luiz Inácio, não é caçar bandido. Isso é tarefa da polícia. Um
jornalista deve é se ocupar de corrigir as instituições, segundo as regras
estabelecidas pelo estado democrático e de direito. É por isso que não pode se
contentar apenas com a crítica ao pé de chinelo que fez isso ou aquilo. Mas
essa, claro!, é a visão que Lula tem da imprensa depois que chegou ao poder, em
2003. Quando ele estava na oposição, jamais reclamou do jornalismo, que sempre,
com raras exceções, lhe puxou o saco. Ele mesmo já disse, num rasgo de lucidez,
certa feita, que ele próprio era produto da imprensa livre. E é! Mesmo quando
dizia bobagens cabeludas em economia, política e o que mais fosse, era tratado
como uma força da natureza, um pensador original, o portador de uma verdade
revelada.
O ombudsman
O líder político que gostaria que jornalistas se comportassem como meros policiais também resolveu ser ombudsman da imprensa. Afirmou:
"Quero confessar que eu tinha a impressão de que esse evento estava proibido para a imprensa porque um assunto dessa magnitude, com os resultados extraordinários conquistados por muitos países do mundo e pelo Brasil, mereceu menos atenção do que qualquer outro assunto banal do noticiário brasileiro. É uma pena que, muitas vezes, as coisas sérias não são tratadas com seriedade, é uma pena que as coisas banais, as coisas secundárias, sejam tratadas de forma quase sensacionalista."
O líder político que gostaria que jornalistas se comportassem como meros policiais também resolveu ser ombudsman da imprensa. Afirmou:
"Quero confessar que eu tinha a impressão de que esse evento estava proibido para a imprensa porque um assunto dessa magnitude, com os resultados extraordinários conquistados por muitos países do mundo e pelo Brasil, mereceu menos atenção do que qualquer outro assunto banal do noticiário brasileiro. É uma pena que, muitas vezes, as coisas sérias não são tratadas com seriedade, é uma pena que as coisas banais, as coisas secundárias, sejam tratadas de forma quase sensacionalista."
"Coisa séria" é tudo aquilo que serve ao propósito
de Lula e de seu partido. "Sensacionalismo" é a notícia que não é do seu
interesse. O petismo gasta muitos milhões do dinheiro público para alimentar o
sistema oficial de comunicação e para pagar a rede suja que presta vassalagem
ao petismo. Fazem isso assegurando que representam a novidade e que todo o
resto é a chamada "velha mídia". Por que, então, não conseguiram tornar
influente assunto tão relevante? Se a "velha mídia" não está com nada, como querem
os petistas, deixem-na, então, em paz e regozijem-se com seus próprios meios,
não é mesmo?
A grande farsa
Lula só consegue articular um discurso imaginando que há um inimigo à espreita. Voltando a seu esporte predileto, que é brincar de arranca-rabo de classes, referiu-se nestes termos ao Bolsa Família:
"O que dá para os ricos é investimento e, para os pobres, é gasto, a ponto de dizerem na minha cara que nós estávamos criando [com o Bolsa Família] um exército de vagabundos".
Lula só consegue articular um discurso imaginando que há um inimigo à espreita. Voltando a seu esporte predileto, que é brincar de arranca-rabo de classes, referiu-se nestes termos ao Bolsa Família:
"O que dá para os ricos é investimento e, para os pobres, é gasto, a ponto de dizerem na minha cara que nós estávamos criando [com o Bolsa Família] um exército de vagabundos".
O primeiro a dizer que os programas de bolsas
deixavam os pobres vagabundos foi Lula. E o fez de maneira explícita,
arreganhada. No vídeo abaixo, ele aparece dois momentos: exaltando o Bolsa
Família, já presidente da República, e no ano 2000, quando chamava os programas
de assistência direta (como o Bolsa Família) de esmola. Vejam.
Pobre vagabundo
Mas foi bem mais explícito. Nos primeiros meses como presidente, Lula era contra os programas de bolsa que herdou de FHC. Ele queria era assistencialismo na veia mesmo, distribuir comida, com o seu programa "Fome Zero", uma ideia publicitária de Duda Mendonça, que ele transformou em diretriz de governo. Deu errado. O Fome Zero nunca chegou a existir.
Mas foi bem mais explícito. Nos primeiros meses como presidente, Lula era contra os programas de bolsa que herdou de FHC. Ele queria era assistencialismo na veia mesmo, distribuir comida, com o seu programa "Fome Zero", uma ideia publicitária de Duda Mendonça, que ele transformou em diretriz de governo. Deu errado. O Fome Zero nunca chegou a existir.
Já demonstrei isso aqui. No dia 9 de abril de 2003, com o Fome
Zero empacado, Lula fez um discurso no semiárido nordestino, na presença de
Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas
que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler?
Pois não!
Eu, um dia desses, Ciro [Gomes, ministro da
Integração Nacional], estava em Cabedelo, na Paraíba, e tinha um encontro com
os trabalhadores rurais, Manoel Serra [presidente da Contag - Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], e um deles falava assim para mim: "Lula, sabe o que está acontecendo aqui, na nossa região? O povo está
acostumado a receber muita coisa de favor. Antigamente, quando chovia, o povo
logo corria para plantar o seu feijão, o seu milho, a sua macaxeira, porque ele
sabia que ia colher, alguns meses depois. E, agora, tem gente que já não quer
mais isso porque fica esperando o 'vale-isso', o 'vale-aquilo', as coisas que o
Governo criou para dar para as pessoas." Acho que isso não contribui com as
reformas estruturais que o Brasil precisa ter para que as pessoas possam viver
condignamente, às custas do seu trabalho. Eu sempre disse que não há nada
mais digno para um homem e para uma mulher do que levantar de manhã, trabalhar
e, no final do mês ou no final da colheita, poder comer às custas do seu
trabalho, às custas daquilo que produziu, às custas daquilo que plantou. Isso é
o que dá dignidade. Isso é o que faz as pessoas andarem de cabeça erguida. Isso
é o que faz as pessoas aprenderem a escolher melhor quem é seu candidato a
vereador, a prefeito, a deputado, a senador, a governador, a presidente da
República. Isso é o que motiva as pessoas a quererem aprender um pouco mais.
Notaram a verdade de suas palavras? A convicção
profunda? Então…
No dia 27 de fevereiro de 2003, Lula já tinha
mudando o nome do programa Bolsa Renda, que dava R$ 60 ao assistido, para "Cartão Alimentação". Vocês devem se lembrar da confusão que o assunto gerou: o
cartão serviria só para comprar alimentos?; seria permitido ou não comprar
cachaça com ele?; o beneficiado teria de retirar tudo em espécie ou poderia
pegar o dinheiro e fazer o que bem entendesse?
A questão se arrastou por meses. O tal programa
Fome Zero, coitado!, não saía do papel. Capa de uma edição da revista Primeira
Leitura da época: "O Fome Zero não existe". A imprensa petista chiou pra
chuchu.
No dia 20 de outubro, aquele mesmo Lula que
acreditava que os programas de renda do governo FHC geravam vagabundos, que não
queriam mais plantar macaxeira, fez o quê? Editou uma Medida Provisória e criou
o Bolsa Família? E o que era o Bolsa Família? A reunião de todos os programas
que ele atacara em um só. Assaltava o cofre dos programas alheios, afirmando
ter descoberto a pólvora. O texto da MP não deixa a menor dúvida:
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - "Bolsa Escola", instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA,criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - "Bolsa Alimentação", instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - "Bolsa Escola", instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA,criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - "Bolsa Alimentação", instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Compreenderam? Bastaram sete meses para que o
programa que impedia o trabalhador de fazer a sua rocinha virasse a salvação da
lavoura de Lula. E os assistidos passariam a receber dinheiro vivo.
Contrapartidas: que as crianças frequentassem a escola, como já exigia o Bolsa
Escola, e que fossem vacinadas, como já exigia o Bolsa Alimentação, que cobrava
também que as gestantes fizessem o pré-natal! Esse programa era do Ministério
da Saúde e foi implementado por Serra.
E qual passou a ser, então, o discurso de Lula?
Ora, ele passou a atacar aqueles que diziam que
programas de renda acomodavam os plantadores de macaxeira, tornando-os
vagabundos, como se aquele não fosse rigorosamente o seu próprio discurso,
conforme se vê no vídeo e voltou a repetir nesta quinta.
Encerro
Seria, de fato, muito bom que a política brasileira deixasse de ser refém dessa empulhação, dessa conversa mole. Não creio, infelizmente, que isso possa se dar com a dupla Marina-Eduardo Campos (sim, claro, volto ao tema) e vejo que a oposição ainda está sem discurso e sem eixo. O programa do PSB, no entanto, acerta ao captar certo clima de enfaro, de saco cheio mesmo, com essa ladainha lulista. Este senhor emburrece o debate político com sua conversa mole para desmemoriados.
Seria, de fato, muito bom que a política brasileira deixasse de ser refém dessa empulhação, dessa conversa mole. Não creio, infelizmente, que isso possa se dar com a dupla Marina-Eduardo Campos (sim, claro, volto ao tema) e vejo que a oposição ainda está sem discurso e sem eixo. O programa do PSB, no entanto, acerta ao captar certo clima de enfaro, de saco cheio mesmo, com essa ladainha lulista. Este senhor emburrece o debate político com sua conversa mole para desmemoriados.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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