Por Augusto Nunes
Ai
do governo se a PNAD-2012 fosse divulgada não neste outubro, mas em junho - o
único mês em que os brasileiros manifestam nas ruas a indignação represada no
resto do ano. Ai dos vigaristas no poder se a temporada de protestos estivesse
em curso quando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio informou que, pela
primeira vez desde 1998, cresceu o número de brasileiros com mais de 15 anos de
idade que não sabem ler nem escrever: os 12,9 milhões de 2011 subiram para 13,1
milhões. Pena que o gigante tenha ficado mais analfabeto enquanto dormia.
Caso
estivesse acordado, as coisas seriam muito diferentes. Os manifestantes que não
aguentam desaforo durante 30 dias por ano entrariam em ação um minuto depois da
descoberta obscena. Nas ruas das grandes cidades e nos becos dos vilarejos,
multidões de dimensões egípcias exigiriam aos berros a erradicação do
analfabetismo até a chegada do Natal e a imediata implantação de um sistema de
ensino padrão Fifa. No dia seguinte, a presidente da República anunciaria na TV
o lançamento do Programa Mais Professores, anabolizado pela importação em
regime de urgência de 6 mil educadores cubanos fluentes em português, todos
capazes de fazer até bebê de colo decorar o abecedário em uma semana e meia.
Os
presidentes da Câmara e do Senado proporiam a cassação sumária do mandato de
todos os parlamentares que tratam indecorosamente a gramática e a ortografia
(sem direito a embargos infringentes). Os líderes da oposição oficial, reunidos
às pressas, examinariam a ideia de encerrar as férias que vão completando 11
anos. E Lula, a conselho de companheiros letrados, ficaria em silêncio até que
julho chegasse ao fim e o perigo passasse. Foram todos salvos pelo calendário
gregoriano. Não havia manifestantes à vista quando a pesquisa monitorada
pelo IBGE avisou que a taxa de analfabetismo subiu de 8,6% para 8,7%.
Livre
de sobressaltos, Dilma Rousseff dispensou-se de comentar a façanha do governo
mais inepto da história. Ocupado com a candidatura da chefe a um segundo
mandato, o ministro da Educação repassou o assunto à economista Wasmália Bivar,
presidente do IBGE. "Isso não é estatisticamente relevante", ensinou a
alquimista federal. "A PNAD de 2012 confirmou o patamar de 2011, o que
quer dizer estabilidade". Uma diferença de 0,1% pode ser irrelevante
em pesquisas que medem o tamanho da torcida do Flamengo. Aplicado ao
universo formado por 157 milhões de brasileiros, escancara o cinismo da
doutora.
O
índice avisa que 300 mil seres humanos foram incorporados aos 13,1 milhões de
confinados nas cavernas da ignorância. A imensidão de gente que não consegue
ler nem escrever é maior do que a população da Suécia (11,2 milhões de
habitantes). Sem contar os 27 milhões de analfabetos funcionais - categoria em
que se enquadra quem teve menos de quatro anos de estudo. Sem contar os que aprendem nos livros do Ministério da Educação que está
certo escrever errado. Sem contar os colecionadores de imbecilidades nota 10
aprovados no ENEM. Sem contar os universitários desprovidos de raciocínio
lógico.
Como
a "universalização da educação básica" concebida pelo governo em 2009 só vale
para quem tem de 4 a 17 anos, e como os programas de alfabetização de adultos
sumiram, não há esperança de salvação para os maiores de idade. São mais de 11
milhões, metade dos quais concentrados no Nordeste. Além da inscrição no Bolsa
Família, o governo deveria oferecer a esses condenados à escuridão perpétua o
acesso a cursos que ensinem a escrever coisas como "Nós pega os peixe".
Virariam analfabetos funcionais. E pelo menos poderiam sonhar com a Presidência
da República.
Fonte: "Direto ao Ponto"
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