Por Reinaldo Azevedo
A TV Globo, que eu saiba, não mais permite que seus contratados
participem de campanhas políticas. Faz sentido? Claro que faz! Afinal, este ou
aquele acabavam adquirindo notoriedade em razão de novelas e programas da
emissora e depois saíam por aí emprestando a sua imagem a causas. Ocorre que
essa restrição, de algum modo, envelheceu; acabou sendo superada pelas redes
sociais.
Algumas das celebridades que foram às redes sociais apoiar a
invasão criminosa e obscurantista do Instituto Royal são contratadas da
emissora. O Brasil só sabe quem são essas pessoas porque estão na tela. Essa
história de que ninguém mais precisa da TV porque, afinal, existem os canais de
Internet é, com a devida vênia, conversa mole. Uma coisa é ter um vídeo
acessado por 3 milhões de pessoas; outra, distinta, é ser reconhecido por 50
milhões. A TV aberta ainda abocanha a maior parte da verba dos anunciantes não
por acaso.
Há, sim, uma questão a ser pensada. Um contratado da emissora,
tornado famoso e influente em razão do trabalho que lá faz, é livre para sair
por aí incentivando o crime? ATENÇÃO! EU ESTOU FALANDO DE INCENTIVO AO CRIME,
NÃO DE LIBERDADE DE OPINIÃO.
Trato do meu próprio caso. Tenho uma página hospedada na VEJA. Há
um contrato. Escrevo o que quero, o que bem entendo, o que acho conveniente.
Nunca - e "nunca" quer dizer "nunca" - a VEJA me pediu para escrever alguma
coisa, me impediu de escrever alguma coisa ou sugeriu que eu escrevesse alguma
coisa. Se e quando a Abril achar que não dá mais, dirá; se e quando eu achar
que não dá mais, direi. É assim que funciona.
Sou livre para expressar as minhas opiniões, algumas delas
contrárias às da própria revista ou do site. Mas acho que a VEJA daria um pé no
meu traseiro, e com razão!, se eu começasse a usar este espaço para incentivar
a prática de crimes - de quaisquer crimes. Notem: INCENTIVAR UM CRIME É
DIFERENTE DE DEFENDER MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO PARA QUE UMA PRÁTICA CONSIDERADA
CRIMINOSA PASSE A SER LEGAL .
Assim, ainda que eu seja contra, ainda que eu ache a tese absurda,
ainda que pareça estupidamente furada, a verdade é que as pessoas têm o direito
de defender que se mude a legislação sobre o consumo e porte de drogas. Eu vou
lutar contra. Mas pedir que se mude é diferente de estimular o uso. ATENÇÃO! HÁ
FORMAS VELADAS DE INCENTIVO AO CONSUMO QUE SÃO NEFASTAS. Quando um ídolo
juvenil faz praça do seu hábito ou vício, tentando fingir que apenas confessa
algo de sua vida privada, sem incentivar ninguém, é evidente que se está diante
de uma trapaça. Essas pessoas sabem que um dos incômodos da fama é ser visto
como um exemplo.
Será que, mesmo sem ser celebridade, sendo não mais do que um
jornalista, devo ser livre o bastante, ainda que meu contrato seja omisso a
respeito, para escrever coisas como "É isso mesmo! Vamos invadir! Vamos
quebrar! Há momentos em que só a violência é a resposta adequada!"??? Acho que
não! Mas aí dirá alguém: "Ora, Reinaldo, eles não apoiaram a invasão do
laboratório na emissora, mas nas redes sociais". Será assim tão diferente?
Volto ao meu caso: ainda que mero colunista, será que convém que eu seja, neste
blog, um defensor da lei, mas que incentive, nas redes sociais, atos
terroristas contra o governo petista, por exemplo? Sempre poderia dizer: "Ah,
escrevi isso no Twitter, no Facebook, não no blog". Faz tanta diferença?
Afinal, quando os artistas se engajavam em campanhas político-eleitorais, não o
faziam na novela, mas fora do expediente.
Reitero: não se trata de patrulhar opiniões; não se trata de
exigir que se apoie esta ou aquela causas, que tenha esta ou aquela opiniões. O
buraco é mais embaixo. Trata-se de se saber se figuras tornadas púbicas em
razão do seu trabalho na TV podem ou não incentivar a invasão de propriedade privada,
a violência e o confronto com a polícia.
A questão, em suma, é saber se estamos todos de acordo que a
democracia é um valor inegociável ou não. No domingo, o próprio Fantástico
levou ao ar a informação de que artistas da emissora apoiaram a invasão do
Instituto Royal. Acho que não estou louco nem estou sendo severo demais ou a
esposar alguma tese autoritária ao ver aí um problema de natureza ética. Em vez
de ampliar a repercussão da apologia do crime, não deveria a TV recomendar a
seus astros que se abstivessem de incentivar a violência, a invasão à
propriedade privada e a agressão à pesquisa científica?
Acho que sim.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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