Por Ruy Espinheira Filho
Estávamos
falando de "A Civilização do Espetáculo", livro de ensaios de Mario Vargas Llosa.
Não se trata de obra de ficção, mas ensaios sobre os tristes tempos que
atravessa a cultura mundial, com a falência da seriedade crítica, da educação - da doméstica à universitária -, do respeito ao que de melhor trazemos da
tradição. Hoje, tudo é considerado equivalente, de Michelangelo ao borrador que
cobra seu "direito" a uma "intervenção artística" nos muros das casas alheias.
Fosse um livro
de ficção, chocaria pelo que seria considerado excesso doentio de imaginação.
Mas, como dito, não se trata de nenhuma ficção, o que está no livro é o nosso
mundo, a nossa cada vez mais aviltada cultura - que foi criada pelo homem para
poder se elevar mais acima da sua condição animal e fundar realidades mais
dignas, mais capazes de propiciar condições para maior e mais brilhante
desenvolvimento do seu espírito.
Hoje,
avacalhamento geral. A ignorância manejada como uma virtude. O desconhecimento
quase absoluto do passado - como se pudéssemos ser algo sem a base, a herança
de uma história. E o vale-tudo abominável. Dois exemplos: 1) numa bienal, em
São Paulo, um sujeito amarrou um cão para que ele morresse de fome durante sua
exposição, o que não causou nenhum protesto da imprensa e recebeu elogios da
crítica "especializada"; 2) noutro país, um se exibiu defecando em público e comendo
seu próprios excrementos. Malucos, os dois? Não, artistas.
Como a
ignorância virou virtude, os estudos decaíram, o senso crítico encolheu.
Qualquer um é levado a sério - já que ninguém mais vê as coisas com seriedade.
Um escreve só bobagens - e é escritor. Outro faz barulho - e é músico. Outro
apenas suja - e é pintor. E não se pode dizer nada contra, pois o politicamente
correto proíbe. Enfim, onde todo mundo é opaco, todo mundo é brilhante...
Acontece que a decadência da cultura é a do próprio ser humano. Temos uma bela
herança do passado, sim, mas talvez não tenhamos futuro nenhum.
Ruy Espinheira Filho, escritor, pertence à Academia
de Letras da Bahia
Fonte: Jornal "A Tarde", edição desta quinta-feira, 17
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