Por André Setaro
Sem ordem de importância, aqui alguns momentos antológicos do cinema.
OITO E MEIO (Otto e Mezzo, 1963), de Federico Fellini. Quando todas as
esperanças pareciam impossíveis, Guido Anselmi se reanima e dança, com todo o
elenco, o balé burlesco que dá fecho ao filme, com todos dançando contentes e
de mãos dadas sob o império sonoro de Nino Rota.
O PASSAGEIRO: PROFISSÃO
REPÓRTER (Professione: Reporter, 1975), de
Michelangelo Antonioni. A cena começa num quarto de hotel, a câmera sobre um
tripé. Nicholson e a namorada que ele encontrou ao assumir a identidade de
Robertson (Maria Schneider) conversam. O quarto é no andar térreo do hotel, e
ao fundo uma ampla janela com grades de ferro dá para a praça lá fora. Sozinho
no quarto, Locke acende um cigarro e se deita, e entãotem início o longo plano
final. A câmera se aproxima lentamente da janela, passa pelas grades, e
continua a filmar lá fora até que voltando ao quarto o encontra morto.
OS
BRUTOS TAMBÉM AMAM (Shane, 1953), de George Stevens. Cena da morte de Paredón
pelo pistoleiro Wilson. Paredón (Elisha Cook Jr) se aproxima, em travelling, da
varanda na qual está o pistoleiro Wilson (Jack Palance). Corte. Wilson se
levanta e começa a calçar as suas luvas. Paredón lhe desafia e recebe um tiro
que o joga longe no meio da lama. Stevens declarou que usou um tiro de canhão.
A MARCA DA MALDADE (Touch of Evil, 1958), de Orson Welles. O plano-sequência
inicial. Com uma só tomada, Welles percorre uma cidadezinha fronteiriça com uma
câmera ágil até a explosão de uma bomba perto de um posto de gasolina,
encontrando Charlton Heston e Janet Leigh. Na versão espúria lançada
comercialmente, todo o plano é aproveitado para a colocação dos letreiros. Mas
a versão restaurada mostra que o autor não usou, nesta introdução, nenhum sinal
gráfico.
O PROFESSOR ALOPRADO (The Nutty Professor, 1963), de Jerry Lewis. Cen
a da saída da boate depois da transformação. Usando uma poção mágica feita por
ele, o tímido professor Kelp se transforma no engomado galã Buddy Love. Quando
este sai da boate, em câmera subjetiva (em lugar de Love), andando, o que se
contempla são mulheres e homens surpresos e extasiados com o que estão a ver.
CIDADÃO KANE (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. Um travelling mostra os
pertences de Charles Foster Kane empilhados e a impressão que se tem é a de se
estar a ver uma metrópole com seus arranha-céus. O percurso do travelling tem
seu fecho num plano de detalhe do trenó onde se encontra inscrita a palavra
Rosebud, cujas letras ardem e se desmancham pelas chamas.
O ANO PASSADO EM
MARIENBAD (L'Année Dernière a Marienbad, 1962), de Alain Resnais. Ostravellings
se sucedem na mansão, a câmara passeia pelos seus longos e intermináveis
corredores, à procura de um cinema que se faz como um processo de investigação
do universo mental. Delphine Seyrig salta na cama imensa, como se fosse um
pássaro numa gaiola dourada.
SUSPEITA (Suspicion, 1942), de Alfred Hitchcock.
Cary Grant, numa angulação expressionista, sobe a escada, uma grande escada
meio circular, com um copo de leite na mão. O espectador suspeita que o leite
esteja envenenado e ele vá matar a mulher. O realizador colocou uma lâmpada
dentro do copo para fazê-lo mais sugestivo.
ACOSSADO (A Bout de Souffle, 1959),
de Jean-Luc Godard. Ferido, fatigado, Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo)
deambula por uma rua de Paris enquanto a câmera, em travelling, o acompanha até
que, ao final da escapada, tomba. Todo o itinerário tem um forte acento
jazzístico.
A LARANJA MECÂNICA (A Clockworke Orange, 1971), de Stanley Kubrick.
Enquanto Alex e seus companheiros espancam e torturam o casal de escritores com
uma violência inaudita, estuprando a mulher, o que se ouve é uma canção suave,
a deSingin'ng in the rain. A narrativa, aqui, contraria a fábula.
FRENESI (Frenzy, 1972), de Alfred Hitchcock. A prdução de sentidos sendo feita pelo
travelling, que acompanha Barry Foster, o estrangulador que o público játem
conhecimento, a entrar no edifício acompanhado da namorada de John Finch, o
falso culpado. De repente, a câmera pára no meio da escada e faz um travelling
a derrière (para trás) e sai do prédio. O grito da mulher é abafado pelo
vozerio do mercado em frente.
RASTROS DE ÓDIO (The Seachers, 1956), de John
Ford. Finda a jornada, John Wayne traz de volta Natalie Wood para o lar. A
càmera, no último plano, plantada dentro da casa, apenas recebe a claridade que
vem do fora e a porta aberta, que se destaca como silhueta na escuridão. Todos
entram felizes, alegres, com o retorno. Menos John Wayme, o Tio Ethan, que,
cumprida a missão, caminha para fora, deambulando, sem destino. OUTUBRO
(Oktiabr, 1927), de Sergei M. Eisenstein. Kerensky sobe os degraus do palácio,
mas retorna sempre ao mesmo ponto, enquanto as legendas cita m suas inumeráveis
atribuições ditatoriais e, "desafiado", Kerensky é confrontado com
divindades africanas, budistas, barrocas, cristãs etc.
LUZES DA CIDADE (City Lights, 1930), de Charles Chaplin. Pelo toque nas mãos de Carlitos, a florista,
já operada da vista graças a ele, reconhece o seu benfeitor. E o close up final
de Chaplin é o mais enigmático de toda a história do cinema, a atingir a
tragédia da condição humana.
ASSIM ESTAVA ESCRITO (The Bad and the Beautiful,
1953), de Vincente Minnelli, Depois da conferência com Walter Pidgeon, Lana
Turner, Barry Sullivam e Dick Powell, na saída da casa, não resistem a pegar um
telefone externo para ouvir o que Pidgeon conversa com Kirk Douglas, que está
disposto a trabalhar novamente com os três. Em plano fixo, Lana pega o gancho
do telefone e o ouve primeiro, e os rostos de Sullivam e Powell vão surgindo
nas laterais, curiosos também em saber o que está sendo dito. Final do filme:
The end. Partitura exasper ante de David Rastkin.
PSICOSE (Psycho, 1960), de
Alfred Hitchcock. A antológica sequência do chuveiro, quando Janet Leigh é
esfaqueada. Durando pouco mais de um minuto, a cena possui quase cinqüenta
tomadas, o que possibilita constatar que o processo de criação no cinema é uma
ilusão. A sua fragmentação é radical e, nesse sentido, alguns ensaístas
europeus comparam-na à escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin para a
evolução da linguagem cinematográfica.
O LÍRIO PARTIDO (Broken Blossoms, 1919),
de David Wark Griffith. Lilian Gish se contorcendo dentro de um armário cuja
porta o boxeador destrói a golpes de machado, antes de espancar a menina com o
cabo de um chicote. VAMPYR (1932), de Carl Theodor Dreyer. As cenas vistas por
um cadáver transportado em seu caixão, os olhos mortos fixos no céu e nos
tetos.
O ENCOURAÇADO POTEMKIN (Bronenosetz Potemkin, 1925), de Sergei
Eisenstein. A Escadaria de Odessa. A multidão nos degraus aclamando os marinhe
iros e, de repente, os primeiros tiros de fuzis; as botas dos soldados passando
por cima dos cadáveres; o menino morto, a mãe que torna a subir a escadaria
trazendo o filho já sem vida; os fuzileiros descendo a escadaria; uma mulher,
no alto da escadaria, atingida, e seu cadáver empurrando para frente o carrinho
do bebê…
DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964), de Glauber Rocha. A matança dos
beatos em Monte Santo.
Fonte: "Setaro’s Blog"
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