Trechos de artigo do psicanalista Pacho O'Donnell, em "Clarín", de Buenos Aires:
1. Costuma ser devastadoramente comum, nos tempos em que vivemos, falhar esse decisivo preservador do funcionamento moral de uma sociedade: a vergonha.
Será útil aqui resgatar o conceito de "vergonha", tal como formulada por Aristóteles em sua obra “Retórica” e também “Ética a Nicômaco”, que por vezes torna-se sinônimo de "pudor".
O primeiro define a vergonha como "arrependimento ou embaraço relativo a vícios presentes, passados ou futuros, cuja presença acarreta uma perda de reputação". É o sentimento que se sofre como resultado de haver cometido um ato desonroso.
2. A obra “Ética a Nicômaco” a define como "medo do descrédito" sentimento anterior a consumação do ato reprovável que assim se constitui em um freio moral. Em ambos os casos, o fantasma da iminente perda de reputação, pelo realizado ou pelo pensado, perturba e provoca o medo do julgamento dos outros e da conseguinte rejeição social.
3. Para que isso aconteça é necessário ter um consenso coletivo concreto e definido sobre o que é bom e o que é ruim para a sociedade. Mas a sociedade em que vivemos está longe de incentivar ações virtuosas. Pelo contrário, o que prevalece é a inescrupulosidade, o pragmatismo, a ganância, o “ter” como substituto do “ser”.
4. Onde terá ido parar a vergonha daquele que desvia para seus bolsos, fundos públicos destinados a diminuir a pobreza de 30% de nossos semelhantes? E não é o único "sem vergonha". Infelizmente são muitos. Demasiados. No decorrer dos cem anos passados a vergonha socializada foi-se extinguindo. Somos uma sociedade que foi perdendo e minguando anticorpos contra a autodestruição. Entre eles o da vergonha.
Um comentário:
Uma vergonha, mas nós, povo, também somos responsáveis. Os mesmos que aprontam voltam sempre à cena do crime e o praticam mais uma, duas, N vezes enquanto podem. Quase ninguém gosta que se diga, mas os brasileiros de um modo geral, não sabem aproveitar o seu direito sagrado de votar; não olham o todo, só o seu umbigo.
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