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domingo, 23 de novembro de 2025

O jornalixo

O pluralismo é incompatível com a hegemonia ideológica do que quer que seja. Daí a animosidade do jornalixo contra as redes sociais. 

Por Luiz Cabral de Moncada para o Observador:

1 É moda no nosso país, o jornalixo. Existiu sempre mas agora está mais forte do que nunca. Em que consiste? Há duas versões. A primeira vive da mundanidade e da superficialidade. Inventa personagens a que põe a alcunha de «famosos», entre outras, e vende papel e audiências através da exploração das suas vidas quotidianas, porque tão insignificantes são que não têm outras, divulgadas por escrevinhadores e comentadores ao mesmo nível dos tais «famosos» e dos que os consomem. Este tipo de jornalixo é passatempo vulgar e popularucho. Existe e existirá sempre. É um fenómeno mundial. Faz parte da condição humana. É mais ou menos inofensivo e não o vou perturbar com baforadas de exigência cultural e intelectual porque não vale a pena. É o que é.

Mas existe outro tipo de jornalixo, mais perigoso. Consiste em lançar contra os incautos um programa de hegemonia ideológica. Ainda se viesse de revistas com orientação ideológica logo definida e visível seria desculpável, mas vem de meios de comunicação generalistas e até públicos pagos pelos nossos impostos.

Se alguma vez foi jornalista o protagonista do jornalixo logo se transformou em activista. Não é um comunicador, é um manipulador. Vale-se do estatuto constitucional da autonomia do jornalista relativamente ao proprietário do jornal para inverter as regras do jogo do pluralismo, da verdade e da imparcialidade.

O jornalixo só ouve a voz do dono. Este não tem de ser um partido político. Basta um mainstream ideológico arrimado a algumas banalidades e a uma pretensa moralidade duvidosa e comprometida ao serviço do qual se curva sem condições. Tudo vale. Distorce a realidade, usa hoje argumentos retirados de situações do passado completamente fora do contexto em que são explicáveis, difama sem complacência, ceva ódios cegos, não ajuíza, afirma, não sugere, exclui. A imprensa deixa de ser um órgão de livre opinião sujeita ao contraditório para passar a ser um órgão oficioso de um partido ou de uma opção ideológica. O jornalixo exige que o seu divulgador deixe de ser um jornalista e passe a ser um comissário. Para tanto demite-se de qualquer compromisso com a verdade e enjeita os mais elementares deveres de profissionalismo que, creio, ainda lhe ensinaram.

A situação é esta: a maioria deles já não é comunista. Alguns até têm vergonha de o serem ou terem sido, mais a mais agora que ninguém pode esconder o que foram e são os criminosos regimes que o comunismo engendrou. Mas ficaram as paixões. Agora são «antifascistas». O problema é que na falta de uma ideologia consistente que, apesar de tudo, o comunismo proporcionava andam à deriva e agarram-se ao ódio, sentimento perene. Lembro-me até de uma oligofrénica que dizia há pouco tempo, já não sei em que jornal, que quem denunciasse o jornalixo logo ficava identificado como «fascista».

2 O jornalismo nasceu na sequência do iluminismo europeu e foi um veículo matricial da criação e divulgação da opinião pública ou seja, daquilo a que na Alemanha, ainda por unificar, se chamava, em tradução minha, «publicidade» (e que nada tem a ver com a comercial). O objectivo era disseminar a informação e proporcionar assim a ilustração através da crítica, a que Kant chamou «uso público da razão». O burguês letrado passou a cidadão porque dispunha de opiniões próprias e ousava finalmente pensar pela sua própria cabeça. A formação da consciência democrática dos nossos dias deve-lhe tudo ou quase tudo.

Ora, o objectivo do jornalixo não é aquele. O objectivo é comprometido e não livre. É natural pois que o seu arauto é um mero funcionário ao serviço de uma ideologia perfeitamente identificada, é um partisan com o mesmo servilismo com que dantes se inclinava perante a autoridade do «estado novo», dito orgânico-corporativo, e embarcava nos mitos da portugalidade e outros. As ambições totalitárias viveram sempre do jornalixo. Trata-se de utilizar a imprensa escrita e a outra para propagandear propósitos estabelecidos à partida. O leitor não é um cidadão é um consumidor. O jornalixo vive disso.

3 Mas há uma realidade que os cultores do jornalixo não percebem e que, a prazo, ditará o seu descrédito e desaparecimento, facto que já se verifica, aliás. É tão simples como isto: a disseminação da opinião pública é cada vez mais uma realidade. Pode ser mais ou menos ilustrada, não importa, mas aí está. E a vulgarização da opinião pública, coisa que o jornalixo nunca entendeu, é a vulgarização da opinião do público, nominalismo oblige. E, portanto, numa sociedade livre, aberta e pluralista como aquela em que vivemos e com cada vez maior acesso à ilustração o compromisso ideológico do jornalixo isola-o cada vez mais. O pluralismo é incompatível com a hegemonia ideológica do que quer que seja e se ela existir é apenas transitoriamente. Daí a animosidade do jornalixo contra as redes sociais e contra toda a informação (e consequente formação) que lhe escapa.

A culpa é deles. Têm o que merecem. Tanto doutrinaram que deixaram de esclarecer. Tanto distorceram que ficaram com a careca à mostra. E as empresas que lhes pagam já começaram a perceber.

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