Por Humberto de Oliveira
Confundido
com a paixão amorosa que, por seu caráter de irracionalidade, pode
levar os humanos a se perderem, não sabendo que "deixam o céu
por ser escuro /E vão ao inferno à procura de luz" como nos
lembra
o poeta Lupicínio Rodrigues, - o Amor, - eu faço questão de escrever seu nome assim, com maiúscula - tem
sido ora ridicularizado,
ora utilizado como mais um item de consumo na vasta pauta de uma
sociedade que tende a tornar tudo mercadoria. Ou seja, há uma
contínua banalização deste afeto que verdadeiramente humaniza o
ser humano.
Isto
porque, sem o afeto amoroso, o Homem é mero animal irracional que,
se procria, não sabe criar, sua semente nasce sem garantias mínimas
de sobrevivência, pois lhe faltará o Cuidado,
outro nome do Amor.
Claro
que vem logo à mente os milhares de filhos sem pai, com genitores
fugindo de suas responsabilidades exatamente por serem incapazes de
amar. Mas pensemos também nas infelizes mulheres que, por falta de
condições psíquicas, emocionais e financeiras, renunciam a viver o
amor materno, abandonam suas crias ou transferem sua Responsabilidade
- outro
nome do Amor - para terceiros. Basta ver as milhares, talvez
milhões de avós e bisavós criando filhos de filhas e filhos.
Mas,
recuemos no tempo e pensemos na crueldade da escravidão. A
desumanização não era apenas pela violência física com que se
tratavam os escravizados. Era pela condenação a viver sem o direito
de amar, sem poder viver no Afeto
- mais
um nome do Amor - sem poder viver junto com quem se ama, vendo até
os filhos serem vendidos como mercadoria. Esta era a verdadeira
desumanização da escravidão. Diferente da outra escravidão em
outros rincões deste mundo, onde o escravizado era integrado à
família que o adotava. Com os africanos trazidos como escravos era a
interdição de Amar, a brutalidade de viver sem direito ao Amor.
Claro
que para viver no amor e viver com amor, é preciso conhecer
quem
se
ama. Esta é uma condição bem diferente da paixão amorosa, em si
mesma cega, onde nos atiramos no desconhecido, nos entregamos sem
pensar e sem reservas
e depois nos desiludimos.
Sim, perdemos a ilusão. Quantas
vezes ouvimos dizer "não conheço mais quem eu pensei amar!" Não
conhecia, de fato, deixou-se prender por uma faceta, uma ilusão.
Quando
se ama verdadeiramente, aceita-se a outra pessoa com seus defeitos e
virtudes, pois o conhecer é condição prévia para o acordo
amoroso, o pacto de convivência. Enfim, como nos ensina o filósofo
Erich Fromm, é preciso ter fé em si mesmo e ter fé no Outro, "ter
fé requer coragem , a capacidade de correr um risco, a disposição
de aceitar mesmo a dor e a decepção [ pois] quem quer que insista
na incolumidade e na segurança como condições primárias da vida
não pode ter fé; quem quer que se feche num sistema de defesa, em
que a distância e a possessividade sejam seus principais meios de
segurança, faz de si mesmo um prisioneiro. Ser amado e amar
requerem a coragem de julgar certos valores como sendo de extrema
preocupação, de saltar à frente e apostar tudo nesses valores".
E
que não se pense que a fé, aqui em questão, é a fé cega e
obediente que não aceita a dúvida. Muito pelo contrário. Esta é a
fé racional que move mães e pais a se dedicarem à criação de
filhos, ou os professores que, intuindo o futuro do estudante tentam
lhe mostrar suas potencialidades e que não desistem mesmo se
pareçam, por vezes, pregar no deserto. Não desistem. Insistem.
Talvez
pela dificuldade em viver o Amor como uma atividade que exige
dedicação, cada vez mais os seres humanos estejam adotando pets
como
filhos e filhas, e por eles se tomem de paixão amorosa, a eles jurem
fidelidade e "amor eterno". Talvez, por medo de amar, por falta
de fé em si mesmo e na humanidade, por temer este salto no escuro
em busca da luz que somente o Amor pode oferecer, os indivíduos
estejam optando, sem saberem, por comprarem o afeto, pagarem para
amar, sem sustos ou inquietações, aos animais irracionais que
reagem sem surpresas aos comandos de seus donos e donas. Pois o pet,
não importa sua origem, raça ou cor, todos têm uma identidade
fixa, não mudam, jamais, sua natureza, seu
jeito de ser, suas reações.
Para
gente assim, a humanidade, em constante devir, passa a ser um
insuportável fardo a tolerar, pois lhes falta a fé em si mesmo, na
humanidade e fé na própria vida. E, como marca maior desta
humanidade cheia de pesadas couraças, o ressentimento e mesmo o ódio
ao Humano que lhes ressecam o coração e os tornam incapazes de
Compaixão
- outro
nome do Amor-
os
fazem virar o rosto ao sofrimento do Outro, desconhecem a
solidariedade
- mais
um nome para o Amor. Mas, tenhamos tolerância
- que bem pode ser outro sinônimo para o Amor- não é por maldade,
acreditamos que seja exatamente e tão somente por medo de Amar.
Humberto
de Oliveira é professor titular de Língua e Literatura francesas,
aposentado, é tradutor, contista, ensaísta e romancista, e também
editor da revista bilingue
https://revistacadernosdosertao.wordpress.com/
Por seu trabalho de difusão da língua e da cultura francesas
recebeu do Governo francês a Comenda de Chevalier
dans l’Ordre des Palmes académiques.
https://humbertodeoliveira.com.br/