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sábado, 29 de fevereiro de 2020

Há 61 anos: A bem da ordem pública

Assistindo a uma sessão cinematográfica o homem não pôde pôr o braço nos ombros da mulher (mesmo que esta seja sua, esposa)
Em Araçatuba, um cidadão impetrou uma ordem de habeas-corpus singular. Pois, segundo afirmou, estava ameaçado com sua liberdade física por ato da autoridade policial daquela cidade, que proibira a permanência, nos cinemas locais, durante a projeção, de casais enlaçados. Acrescentou o impetrante que com isso ficara ele impedido de assistir às sessões de cinema como era seu costume. Isto é com o braço nos ombros de sua própria esposa, ou, até mesmo, no espaldar da cadeira.
O juiz da comarca julgou prejudicado o pedido que o impetrante e paciente lhe dirigira, não só à vista das informações prestadas pela autoridade policial, como por considerar o decidido em outro processo. Dessa decisão recorreu o impetrante para o Tribunal da Alçada. Declarando, inicialmente, que o juiz incorrera num defeito de técnica ao negar a ordem, quando deveria ter considerado prejudicado o pedido, o Tribunal, no seu acórdão, relatado pelo juiz Oliveira Noronha, tomando conhecimento do recurso, apreciou o caso em todos os seus aspectos, para concluir que falecia razão ao impetrante. Não era isenta de críticas - observou o relator - a assertiva de que constitui cerceamento à liberdade física proibir que um cidadão fique à vontade, como lhe convenha, em locais frequentados pelo público, desde que isso não constitua um ilícito penal. Mas o frequentador de casas de diversões é obrigado a observar os regulamentos de tais estabelecimentos, estando, por outro lado, sujeito à fiscalização policial. Assim. não era possível que. para ficar à vontade, pudesse o espectador fumar, despojar-se de seus sapatos, de seu paletó, de sua gravata. sentar-se de maneira inconveniente etc. etc. E não se poderia negar também à polícia o direito de fiscalizar, impor ordem e respeito em lugares frequentados pelo público, coibindo abusos e fazendo respeitar os regulamentos das próprias empresas particulares que exploram casas de diversões. O acórdão acentuou ainda que não era de se cogitar se certas atitudes são morais. amorais ou imorais: são apenas proibidas a bem da ordem pública, no interesse de todos, para evitar abusos, inconveniências. atritos e reclamações. Aliás, os proprietários das casas de diversões da cidade não se haviam insurgido contra a determinação da autoridade policial: aceitaram-na e, assim, adotando-a, parecia evidente que aquele que assistisse às sessões estava também obrigado a observá-la. E a medida, abrangendo todos os espectadores, tinha por finalidade evitar inconvenientes e abusos como assinalara a autoridade policial em suas informações ao juiz. A rigor disse finalmente o acórdão - seria o caso de não se ter tomado conhecimento do pedido em primeira instância. Porque a suposta coação de que se dizia ameaçado o paciente, não afetava diretamente o seu direito de locomoção. E nem teria cabimento conceder-se habeas-corpus para alguém deixar de observar regulamentos de empresas particulares, impondo ao público certas condições para a permanência no recinto de exibições.
Fonte: "Cine-Repórter", edição de 3 de janeiro de 1959

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