Avivando
a memória com a lembrança de Carlos Barbosa
20.07.1945 - 28.03.1988
Antônio Carlos de Oliveira
Barbosa, aliás Carlo Barbosa. Há ainda quem se lembre do artista morto
prematuramente há pouco mais de dois anos? Se Carlinhos estivesse entre nós
completaria hoje, 20 de julho, 45 anos de idade, mais da metade dedicada a
produzir uma obra densa, dramática, até polêmica, onde mostra sua essência de
artista que não se deixou envolver por modismos, preferindo utilizar como
linguagem a emoção.
Para lembrar o artista e
avivar a falta de memória do feirense é que transcrevemos um artigo publicado
na revista carioca "Imposto de Renda", em junho do ano passado, denominado "O
Questionador do Caos", escrito pela jornalista Antonieta Santos:
"Carlo Barbosa foi um
artista coerente com a vida. Em duas décadas de pintura, exercida com
sofrimento e resignação, em nenhum momento ele se deixou envolver pelo sucesso
rápido e os fascínio do consumismo, e mergulhou a fundo numa arte exercida com
determinação. Por isso, sem se rotular ou proferir qualquer engajamento
político, ele usou sua força criativa para revelar uma realidade, se tornar uma
voz ativa no cotidiano popular, do qual se sentia um representante autêntico.
Na última exposição do
artista, uma retrospectiva, que denominou 'Síntese: 20 Anos de Arte', no Museu
Regional de Feira de Santana, em julho de 1987, um conjunto harmonioso e
coerente, num desempenho quase cronológico, onde mostrou a evolução de sua
arte, desde os primeiros passos, ainda em Feira, sua terra natal, até os saltos
maiores, no Rio e São Paulo, para onde se transferiu e viveu os anos mais
criativos e tormentosos de sua existência. No conjunto, a obra ressalta, desde
o primeiro momento, a preocupação com a contemporaneidade e o compromisso com a
realidade, fosse ela a religiosidade do povo, a destruição da paisagem natural,
o trabalho ou a liberdade de viver.
Essa preocupação ele
registrou em depoimento no catálogo de sua exposição comemorativa de 10 anos de
pintura, em 1981: 'Numa fase mais recente eu me proponho a documentar, através
da pintura e do desenho, aspectos da paisagem urbana: o sistema, o poder
econômico que impulsiona o progresso, a arquitetura mal programada apagando a
paisagem, a destruição da beleza natural, o problema do espaço físico, o
trabalho, o lazer, a religiosidade do povo. O Cristo Redentor surge como um
símbolo inevitável no contexto da obra. Sem os detalhes de sua hierática
presença, poderia estar falando de qualquer outro lugar. A ideia deste encontro
entre a forma e expressão é abrangente quanto aos problemas e coisas da cidade
onde resido'. Nessa época ele morava no Rio.
A necessidade de se
comunicar, de deixar claro a que veio, o fazia deter-se no que considerava
muito importante para o entendimento de sua obra: uma explicação clara. 'Não
resta a menor dúvida de que o que pinto é claro, objetivo e fácil de entender.
Mas detesto confusões e mal entendidos. É um problema íntimo de expressão. No
momento, meu compromisso como artista é o da busca de novas experiências e
conclusões, no aprendizado do dia a dia profissional, testando minha
capacidade, procurando a solução para cada elemento enfocado'. Esse
determinismo foi levado às últimas consequências. Mesmo sabendo que isso
implicaria numa resistência do mercado, cada vez mais identificado com
tendências e conceitos, aos quais passava distante, totalmente alheio aos
modismos. 'O importante é pintar, jogar com as cores e formas, criar uma
linguagem pessoal tanto quanto possível, pesquisar sem me prender a conceitos
pré-estabelecidos', dizia.
Essa necessidade de
independência ele considerava fundamental para sua criação. Mesmo assim, sua
arte não parou de crescer e evoluir numa direção que nem ele mesmo sabia dizer
para onde ia.
- Acho que caminho para uma
abstração infinita, uma coisa que segue em direção ao cosmo, talvez uma
transcendência que só a espiritualidade pode explicar. Mas, na essência, sou o
artista dos sentimentos e da alma popular, um permanente questionador do caos,
dos preconceitos, da discriminação, da violência. Meu universo paira em torno
desses problemas e, mesmo que eles caminhem para uma abstração, sempre
representam um questionamento das questões do povo."
ACERVO
Desde que o artista morreu o
acervo de sua arte - que o crítico Flávio de Aquino, também falecido, já havia
definido como uma das mais vigorosas de sua geração - estão sendo organizado
pelas suas irmãs Laurice Barboza, que mora no Rio, e Maria da Conceição
Barbosa, que reside aqui, ambas artistas plásticas como ele, além de sua mãe,
Judith de Oliveira Barbosa, para ser exposto num local, que já existe e até tem
nome, a Casa de Arte Ativa Carlo Barbosa, que fica na rua Leonídio Rocha, 174,
centro. A casa vai funcionar como uma fundação e pretende eternizar a onra de
Carlo Barbosa através de atividades artísticas e culturais e da divulgação
dela, que terá ali o espaço e o reconhecimento de sua terra.
A
Fundação Carlo Barbosa (FCB) existe desde 2002 e tem proporcionado ações no
sentido de inserir a obra do artista no contexto cultural da cidade, por meio
de trabalhos como sites, palestras, programas de visitação, exposições,
seminários de pesquisa, projetos, oficinas de arte, curso livre de pintura e
estudo da obra. Seu objetivo maior é preservar todo acervo do artista, composto
de telas, desenhos, fotografias, publicações e documentos. A presidente atual
da fundação, Lucy Barbosa, tem desenvolvido um trabalho de grande importância
para os feirenses. Maiores informações através do site: http://www.fundacaocarlobarbosa.org/.
"Memórias - Pintores de Feira de Santana"
Uma das grandes ações da Fundação é o projeto
"Memórias - Pintores de Feira de Santana", lançado em 28 de novembro
de 2007, com um álbum onde constam biografia do patrono da entidade, textos de
críticos de arte sobre sua obra e reproduções de telas do artista. O lançamento
do primeiro álbum se deu na Galeria Carlo Barbosa, do Centro Universitário de
Cultura e Arte (Cuca), da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).
Em seguida, ainda em 2007, foi lançado
álbum sobre o trabalho de Gil Mário. Em 2008, apresentação dos álbuns de
Leonice Barbosa e César Romero. Em 2009, a vez do trabalho de Juraci
Dórea. Em 13 de dezembro de 2012, lançamento dos álbuns com obras dos
artistas Marcus Moraes e Pedro Roberto, no Casarão Fróes da Motta.
Em 1º de novembro de 2013, o
desdobramento e amplitude do projeto "Memórias" com o lançamento da
revista "Grandes Pintores Feirenses", contendo todos os
sete artistas plásticos feirenses retratados.
Para Lucy Barbosa, presidente da
Fundação Carlo Barbosa, os álbuns atendem a uma necessidade de resgate sobre as
artes plásticas em Feira de Santana. Também tem o viés didático de atingir
escolas que desejam conhecer mais sobre artistas feirenses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário