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segunda-feira, 18 de abril de 2016

"O isentão gospel também existe"

Valnice Milhomens, Marina Silva e Ed Rene Kivtiz
Por Thiago Cortês
Na obra clássica de Dante Aligheri, "Divina Comédia", o inferno é divido em 34 moradas, que são ocupadas de acordo com a gravidade dos pecados cometidos pelos condenados.
Antes dos círculos infernais, Dante descreve um pátio externo, um "vestíbulo", onde são condenados a sofrer aqueles passaram a vida como covardes, omissos, tímidos, medrosos, e - termo usado por Dante - ignavos, isto é, fracos de caráter e de espírito.
E qual é o castigo para os ignavos, para aqueles que foram covardes e omissos durante a vida na Terra? Dante diz que eles vivem nus e que são picados eternamente por moscas e vespas. É um castigo carregado de significados e de forte simbolismo.
Os ignavos - adotando a postura de permanecer "em cima do muro" - pretendiam viver para sempre em absoluta paz e tranquilidade. No inferno de Dante, contudo, eles conhecem uma eternidade de castigos infinitos e de um incômodo que nunca termina.
Podemos substitui o termo "ignavo" por outro do vocabulário pós-Internet: "isentão", ou seja, o sujeito que se diz livre de qualquer "rabo preso", isento de preferência partidária e paixões ideológicas. O isentão estaria em um patamar superior no debate público.
Ocorre que por trás da suposta e autoproclamada isenção existe todo um catálogo de preferências partidárias e ideológicas que permanecem camufladas sob o discurso "ninguém me representa" ou do clássico "não sou petista, mas…"
Se esse tipo de hipocrisia moral, que remonta aos fariseus, é uma falha de caráter grave em qualquer indivíduo, imagine naqueles que dizem servir os valores do Reino de Deus!
Pior ainda são os isentões que aceitamos e reconhecemos como líderes e que, nesta hora de crise, preferem subir ao muro mais próximo e cruzar os braços, fazendo, implicitamente, uma defesa do status quo, pois é isso que fazem os isentões: defendem tudo como está.
Se o governo Dilma representa uma síntese diabólica de corrupção, cinismo e arrogância, o isentão dirá que com todos os governos anteriores foi a mesma coisa. Porque se todos roubaram, se todos cometeram crimes, logo, inocentes todos estão.
Desnecessário dizer que o isentão é um governista que quer evitar a fadiga. É um simpatizante da esquerda que não ousa dizer o seu nome. É, em suma, um defensor do governo que não quer perder amigos, namorada (do), trabalho ou seguidores do seu ministério isentão.
Este belo artigo do site Spotniks explica que "quanto mais risível se tornou a ideia de defender publicamente as ações de um governo tão impopular, mais comum foi encontrar um típico muito específico de partidário, camuflado atrás de um conceito de isenção".
Isentão integral
Brotam das terras férteis do politicamente correto - o lugar mágico onde as boas intenções justificam as péssimas ideias - isentões virtuosos, campeões da ética, puros como anjos, translúcidos de objetividade e superioridade espiritual.
É claro que tais criaturas, quando confrontadas com a questão "Dilma merece cair ou não?", imediatamente nos lembram de que somos todos canalhas e que quem joga papel na rua não tem moral para protestar contra desvios bilionários dos cofres públicos.
Falo de Ed Rene Kivitz. Não há outra pessoa no meio protestante que melhor sintetize a figura do isentão. Ed não é de esquerda e também não é de direita; ele não é coxinha, tampouco é petralha; o pastor quer discussão política equilibrada e respeitosa.
Isso não o impede de tratar Reinaldo Azevedo como um troglodita, enquanto declara sua admiração por um notório defensor da falange dos sem-terra, o sem-graça Gregório Duvivier, para quem drogas ilícitas (maconha) são do bem e as lícitas (cigarro) são do mal.
Ed Rene Kivitz acredita que colunistas conservadores como Azevedo só atrapalham o "debate" porque são imoderados, feios, radicais. De fato, a defesa das liberdades individuais e das instituições que sustentam a democracia só pode ser coisa de gente maluca.
Ed não gosta disso. Ele quer equilíbrio e racionalidade.
Como o posicionamento "equilibrado" e "racional" de Ariovaldo Ramos, para quem a Venezuela - onde estudantes e trabalhadores são presos ilegalmente ou assassinados nas ruas - é uma democracia exemplar, mas o processo de impeachment no Brasil é "golpe".
Já falei de Ariovaldo em várias ocasiões e me recuso a fazê-lo de novo. Só ilumino aqui sua esquizofrenia moral para ilustrar o fato de que Kivitz faz mil malabarismos para pagar pedágio ideológico e ficar bem com a turma da Missão Integral ao passo que, para os seus seguidores, tenta passar a imagem de pastor-isentão-da-política-do-bem.
Escreveu o pastor:
Lamento profundamente que a chamada Teologia da Missão Integral e o movimento que teve como marco o Pacto de Lausanne, celebrado em 1974, no Congresso Internacional de Evangelização Mundial na Suíça, tenham sido indevidamente associados a uma ideologia, um partido político e seus respectivos personagens.
Kivitz não lamenta nada. É mais um arroubo retórico típico de isentão.
Se o sensível e amável pastor tem neurônios e é dotado da capacidade de usá-los, então, sabe muito bem que a Missão Integral nasceu para abrir caminho no meio protestante para os dogmas da esquerda febril que confunde Jesus com Che Guevara.
Qualquer adolescente que tenha lido as obras sobre Lausanne é capaz de entender isso.
Os fundadores da Missão Integral tinham uma clara agenda ideológica e seus atuais representantes jamais esconderam sua estreita ligação com figuras tenebrosas do petismo, como Gilberto de Carvalho, acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André que, segundo a família, teria levado ao assassinato de Celso Daniel.
Kivitz não sente qualquer repulsa em manter em tão alta estima alguém que faz de Carvalho um companheiro de jornadas? Não. Nenhum receio. Nada disso.
A repulsa de Ed é contra Azevedo e os horrendos conservadores e liberais que nos ameaçam com esse discurso "fascista" de defesa da democracia e da liberdade. Do que o pastor não gosta é do "desequilíbrio" de quem quer o fim de um governo corrupto.
Isentona
Ariovaldo Ramos e Marina Silva
Marina Silva se notabiliza pela postura de monja-mor da "política do bem" cuja conduta não seria pautada por interesses eleitorais ou partidários, mas apenas por belas intenções.
A nossa profetiza da floresta sempre passa a imagem de ser uma alma pura que paira sobre todas as disputas mesquinhas dos partidos e do poder. Ela é um ser evoluído, feito de luz, que só quer o bem das crianças e do Brasil, nada mais do que isso.
Dilma deve cair ou não? Para responder, Marina Silva entra em modo isentão, cobre-se do manto da objetividade, da sagrada devoção pela Pátria, pensa nos órfãos, nas viúvas, em Anne Frank, e então, finalmente, dá seu veredito que é, na verdade, um não-veredito.
A verdade é que Marina mudou de opinião várias vezes sobre o tema. No mês passado, Marina escreveu o texto "Silêncio se faz para ouvir". No artigo, ela argumentava que "há uma campanha pedindo o impeachment da presidente que foi eleita há poucos meses. Compreendo a indignação e a revolta, mas não acredito que essa seja a solução".
Agora, contudo, ela e sua Rede são a favor do impeachment - embora ainda não se tenha certeza de que os deputados do partido realmente votarão pela saída de Dilma.
A mudança de opinião de Marina está fundamentada no amor servil pela Pátria? Sinto desapontar os seguidores da pastorinha Avatar, mas o jogo é outro.
Marina Silva só passou a apoiar o impeachment (com a realização de novas eleições) depois que Delcídio Amaral acusou Aécio Neves de ter sido beneficiado no esquema de Furnas.
As pesquisas de opinião passaram a apontar que Aécio havia sido prejudicado pela delação do senador petista e que Marina começava a subir na pontuação. Pronto. A guardiã das árvores subitamente passou a defender o fim do governo Dilma e novas eleições.
É inegável que sentimos um embrulhar no estômago toda vez que nos deparamos com um defensor dos corruptos de plantão. Mas ao menos essas pessoas declaram abertamente o que são e a quais interesses servem. É o contrário do isentão, o novo fariseu.
É preferível a loucura admitida de Ariovaldo Ramos do que a falsa serenidade de Ed Rene Kivitz, ou ainda os interesses eleitorais disfarçados de superioridade moral de Marina Silva.
O isentão, no fundo, é um cínico. Não desejo que os isentões sofram os castigos descritos por Aligheri. Prefiro que eles enfrentem aqui e agora as consequências de suas falácias.
Publicado no Gospel Prime.
Thiago Cortês é jornalista.

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