Protesto em Brasília: Sinal verde para
o povo. Só os guarda-sóis dos carrinhos de sorvete são vermelhos
Foto: Cristiano Mariz/Veja.com
Por Reinaldo Azevedo
Não é segredo pra ninguém - nem o governo fez
grande esforço para escondê-lo - que a semana passada, em Brasília, abrigou
várias feitiçarias. De súbito, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado - um potencial alvo de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, tanto
quanto Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara - surgiu como condestável
da República e fiador de uma tal agenda da estabilidade. No papel, a
articulação é poderosa: Janot livra a cara de Renan, que arruma os votos de que
precisa o procurador e, de quebra, ainda seduz uns dois ou três sob a sua
influência no TCU, com Cunha isolado. Atenção! Erram os que acham que
Michel Temer foi personagem ativa nesse arranjo. Não foi, não! Dilma não
engoliu, embora tenha dito o contrário, aquela fala do vice, segundo quem é
preciso haver alguém que "reúna e una o país". Renan e Dilma tentaram um "strike", derrubando todos os pinos do boliche com uma única tacada. Mas acho
que não vai dar certo.
A "virada" que o governo tentou caracterizar não se
deu só aí. No TSE, Luiz Fux pediu vista na ação em que o PSDB acusa a campanha
de Dilma de abuso de poder político e de poder econômico e de uso de recursos
oriundos de propina da Petrobras. O placar já estava dois a um, e um terceiro
voto já era dado como certo. São necessários apenas quatro para que se abra a
investigação.
No STF, Roberto Barroso, numa decisão, para dizer
pouco, heterodoxa, considerou que a Câmara não transgrediu a Constituição ao
votar as contas de Itamar Franco, FHC e Lula, mas que transgrediria caso
votasse as de Dilma. Segundo ele, isso tem de ser feito em sessão conjunta da
Câmara e do Senado. Ou por outra: tão logo o TCU entregue o seu parecer, quem
conduziria o escrutínio seria o neoconvertido Renan Calheiros, não o
oposicionista Eduardo Cunha.
Isso tudo, meus caros, já estava nas ruas neste
domingo. Um ministro do TCU, que consta da lista do governo como aliado, ficou
muito impressionado com o alcance dos protestos. Nem a sua família aceita que
ele aprove as contas de Dilma. Diz, ademais, que não é verdade que o governo
petista fez o que era costume. A contabilidade é uma soma de horrores. É muito provável
que Renan não consiga entregar os votos do TCU que prometeu - daí a
importância de ser ele a conduzir a votação, não Cunha. Nesta terça, o
presidente da Câmara entra com um agravo regimental e pede que o pleno do
Supremo se manifeste a respeito, já que a decisão de Barroso é em caráter
liminar.
O protesto deste domingo não se limitou a pedir a
saída de Dilma - por impeachment, renúncia ou cassação de mandato no TSE. Todas
as lideranças que se alternaram ao microfone dos carros de som - e isso não era
menos verdade entre os que estavam no asfalto - denunciavam o acordão,
apontavam seus protagonistas e deixavam claro que ele já era de domínio
público. A sociedade de verdade rejeitava a sociedade do conchavo, do arranjo,
dos embargos auriculares, das conversinhas de corredor, dos interesses
inconfessáveis.
Se o governo apostava que a semana passada havia
marcado o ponto de inflexão e de que teria início, então, a reversão de seu
destino, errou de forma monumental. O que o acordão fez foi ampliar a lista de
pessoas que agora estão no radar dos movimentos de rua. Ninguém vai engolir
calado os conciliábulos e mutretas para salvar esse ou aquele. As ruas também
não caíram na conversa de que tudo não passa de uma tramoia envolvendo
empreiteiros ladrões e funcionários corruptos da Petrobras. Cada um dos
brasileiros que protestaram neste domingo sabe que é um projeto de poder que
está sendo desmontado, esmiuçado, saindo das sombras para vir à luz.
Sim, meus caros, as ruas - e só as ruas - podem
mandar para o espaço o acordão da semana passada, com o qual o governo imaginou
que poderia sair das cordas. Era patético ouvir neste domingo os capas-pretas
do PT, que passaram pelo Instituto Lula, a louvar o que teria sido o começo da
redenção do governo Dilma. Não foi não!
Mais: se, nas duas outras manifestações, as
palavras de ordem ainda era um tanto difusas, com o impeachment como um item da
pauta, desta feita, ficou muito claro que a reivindicação se concentrou, sim,
na saída da presidente. O acordão foi denunciado e justamente satanizado porque
se entendeu, corretamente, que ele busca impedir esse desfecho.
E que se note: ninguém é ingênuo. Conversei com
muita gente na rua. Todos sabem que as coisas não se resolvem do dia para a
noite e se mostram dispostos a resistir. Os três grandes protestos havidos até
agora - 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto - são justamente as três
maiores manifestações políticas havidas na história do Brasil. E outras virão.
Os brasileiros estão cansados, sim. Mas não de ir à
luta. Querem saber? Mal começaram. O acordão não foi engolido pelas ruas.
E seus personagens todos correm o risco de partilhar o mesmo círculo do
inferno. Ponham fim à impostura, senhores! A população já percebeu.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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