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quarta-feira, 13 de maio de 2015

Êxodo, de Ridley Scott

Por Nivaldo Cordeiro
Se eu não fosse leitor assíduo da Bíblia e desconhecesse o livro do Êxodo, até teria gostado da leitura feita por Ridley Scott no seu recente filme Êxodo – Deuses e Reis. Bela fotografia, Christian Bale está soberbo no papel de Moisés, a cenografia recria ricamente as cidades egípcias, sua periferia escravizada composta por israelitas; a recriação do processo produtivo das construções de monumentos é bastante convincente.
Christian Bale conseguiu fazer um Moisés viril, destemido, nobre. Sua função de líder enviado por Deus o tornou uma figura símbolo fortíssima e Bale soube dar dignidade ao personagem. Um sacerdote e um guerreiro, um profeta, assim fez Bale retratar esse personagem, muito rente ao texto. Gostei de como foi apresentado o seu encontro com a família de sua esposa, mostrando como se vivia e se viajava e se dava abrigo a estrangeiros naqueles tempos. Moisés foi também um peregrino vindo dos desertos.
[Não pude deixar de ter uma inveja profunda dos povos que viveram naqueles duros, mas nos quais se podia ser integral. A vida do pastoreio, o céu estrelado, a poesia e o espanto que se retirava da paisagem eram uma realidade imediata.  A técnica moderna nos libertou de muitos sofrimentos e provações de trabalho, mas nos retirou algo inestimável.]
Mas acontece que eu leio a Bíblia e não posso deixar de dizer que o filme é um disparate, partindo de um roteiro que modifica o texto da Bíblia e o faz de uma maneira perversa. O livro do Êxodo é central na história da Salvação, sendo caríssimo a judeus e cristãos. O filme é um insulto porque se percebe a má fé de um diretor que não tem fé, que quis adaptar as maravilhas relatadas no texto a um viés materialista, como se o texto fosse mentiroso ou falso. Moisés existiu, ele deu eixo para o judaísmo e trouxe uma novidade histórica: o confronto entre Deus e o Estado, senhor desse mundo. Deus é a única força capaz de confrontar o poder dos faraós de todos os tempos.
As maravilhas relatadas no livro aconteceram e foram para mostrar que, quem conhece Javé, não pode compactuar e nem se submeter ao Estado idólatra. Libertar o povo oprimido do Egito é um símbolo poderoso, pois é a própria libertação do homem da submissão a Baal. Relata o enfrentamento do bem contra o mal. Esse símbolo poderoso não fala apenas dos tempos épicos dos judeus no Egito, fala de nós mesmos e de cada geração que viveu desde então. É preciso sempre e sempre libertar o povo do Egito, que é apenas uma metáfora para falar do Estado. É preciso sempre e sempre recuperar, a cada período, a tábua da Lei eterna.
No século XX vimos as consequências do que significa o crescimento de Baal, o ídolo estatal. Tanto o nazismo como o comunismo são modernas formas de se recriar a tirania do Faraó. É um padrão histórico. Vimos que o custo para se libertar desse ídolo é imenso, quando contadas as vítimas e a destruição que ficou pelo caminho.
O filme mente de muitas formas, a começar por eliminar da história o cajado do pastor que foi Moisés, instrumento de Deus para mostrar seu poder, transformado na espada, instrumento recebido do próprio Baal. Um diretor de cinema que renega o próprio texto que dá base ao roteiro perde o respeito instantaneamente do público qualificado. O cinema não pode se transformar em narrativas fantasiosas que modificam o texto, sobretudo quando se trata de matéria religiosa. Na Bíblia, temos narrativas que são a expressão da verdade histórica e sobre as quais não cabe qualquer tipo de interpretação que as modifique e apequene. Ridley Scott já fez isso no seu malfadado Cruzada, que tanto detestei.
O filme mente ao narrar a maravilha do mar se abrir para a passagem do povo hebreu. Não consigo deixar de comparar com o que fez Cecil B. DeMille no maravilhoso filme de 1956, Os Dez Mandamentos. Lá vimos a recriação cinematográfica fiel ao que está na Bíblia. Não foi um simples e lógico abaixamento da maré que permitiu a fuga, a passagem, mas o imenso poder de Deus, que tudo pode.
Outra falsificação grosseira foi mostrar Moisés esculpindo as pedras da Lei, quando o texto bíblico é explícito em dizer que Deus ele mesmo é que o fez. Na Bíblia, Moisés escreve as leis somente depois que as pedras grafadas por Deus foram quebradas.
Mas a maior das falsificações está na introdução do personagem infantil que fala pela boca de Deus. Não tem cabimento, porque na Bíblia não há intermediários entre Deus e Moisés. Esse absurdo torna o filme uma blasfêmia, uma difamação do nome de Deus. Torna o filme um lixo a ser evitado. Faz da história uma narrativa tão falsa como se o diretor fosse o próprio satanás encarnado, contando suas mentiras. O filme desinforma os espectadores menos letrados nas coisas bíblicas e pegos desprevenidos. É lixo.
A ideia de usar a imagem de uma criança para retratar Deus nasceu certamente da leitura da obra de Jung, o psicólogo. Ele escreveu em muitos lugares, mas sobretudo no famoso Resposta a Jó, que a psicologia de Javé era a de um menino mimado. Obviamente Jung estava errado, pois não viu que a narrativa tinha que ser compatível com o que aconteceu e o que aconteceu precisava acontecer e Deus precisava fazer o que fez para libertar o seu povo do Faraó-Estado.
Esse filmeco não passa de uma sonora blasfêmia. Como o Cruzada, do mesmo diretor.
Fonte: "Mídia Sem Máscara"

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