Por Sandro Vaia
Existe aqui -- e deve existir
em quase todo o mundo, em maior ou menor escala -- uma certa dificuldade para
lidar com conceitos abstratos.
“Instituições”, por
exemplo, por mais que devam ser consideradas uma realidade muito concreta, sem
a qual a vida em comum se torna inviável, acabam sendo tratadas como um
conceito vago, etéreo e difícil de ser compreendido em sua profundidade.
Ninguém nunca viu uma
“instituição” ao vivo ou tirou uma fotografia para o instagram ao lado dela.
Nenhuma “instituição” faz parte do álbum de família que as pessoas guardam para
a posteridade.
Exemplo: o código visual
pelo qual a maioria das pessoas identifica a instituição “Judiciário” é um
homem de capa preta esvoaçante, e geralmente se faz representar por uma figura
de carne e osso, que tem nome e sobrenome, e desperta ódios ou paixões de
acordo com as decisões que toma e os votos que profere, e da maior ou menor
afinidade que as pessoas têm com esses votos ou com suas decisões, frases,
conceitos e comportamento.
Por isso, a maioria das
pessoas –- até mesmo no jornalismo -- que comentou o gesto do petista
vice-presidente da Câmara na sessão solene de abertura do ano
legislativo,erguendo os punhos como fizeram seus heróis condenados ao se
apresentarem para cumprir a sua pena, fulanizou: Vargas afrontou Joaquim
Barbosa.
Na verdade, essa
simplificação é um deslizamento de sentido. É a diluição semântica de um gesto
que está longe de ser a ofensa de um indivíduo contra um outro do qual ele não
gosta. Não é uma birra pessoal, nem sequer uma rixa ideológica.
Tratar isso como
simples falta de educação ou falta de civilidade é baratear demais o simbolismo
do gesto. Um deputado mal educado a mais ou a menos não faz a menor diferença
no conjunto da obra.
Mas o gesto transcende a mera
grosseria, embora a maioria da imprensa a tenha tratado como tal. Foi uma
agressão institucional de um poder contra o outro de uma forma raramente vista
em períodos de vigência do estado democrático de direito.
Esperar algum tipo de
refinamento do autor do gesto seria, talvez, pedir um pouco demais. Não se
espera de Darinta um lançamento de Ademir da Guia.
Mas talvez não fosse
esperar demais que um político, ocasionalmente investido do papel institucional
de vice-presidente da Mesa, numa sessão simbólica solene e tradicional, onde a
cortesia não é apenas um gesto social mas quase um requisito constitucional,
evitasse uma provocação tão grave.
Foi uma agressão da
instituição do Poder Legislativo contra a instituição do Poder Judiciário. Mas
parodiando o sambista, a cor das instituições não sai no jornal. Ficou gravado
na história como um passa-moleque de um homem tosco que escreve leis contra um
outro que julga as leis e condena os que se consideram amigos do Rei e, como
tal, inimputáveis.
Não foi um ato
individual. Foi uma deliberada ofensa institucional. Um pontapé de um poder em
outro poder.
Fonte: "Blog do Noblat"
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