Por Reinaldo Azevedo
Países
não acabam, não encerram as atividades. Existirão sempre, de um jeito ou de
outro, pouco importam as condições em que operem. Está em curso no Brasil uma
lenta, porém contínua, degradação institucional. Sei bem como são as coisas.
Nessas horas, os profissionais do "progressismo" costumam acusar de
"apocalípticos" seus adversários "conservadores", a "direita
alarmista". Bem, este escriba não acha que o país caminhe para o desastre.
Nunca achou. Até o Sudão do Sul e o Haiti existem quando se é um empirista
empedernido. Por que não existiria o Brasil? Não vislumbro a derrota final, mas
a continuidade da mediocridade aviltante.
"Na
ditadura era melhor?" Não, mas a pergunta é cretina. A democracia tem de
ser avaliada segundo seus próprios valores. Há 20 anos - ou cinco... -, um
vice-presidente da Câmara dos Deputados não receberia, a exemplo do que fez o sr.
André Vargas (PT-PR), o presidente do Supremo com o punho cerrado, num ato de
suposta resistência à decisão da corte suprema do país, que condenou larápios.
Ainda
que, vá lá, os petistas queiram, como eles dizem, "politizar a
questão" e disputar a opinião pública, há canais e instrumentos mais
adequados, nunca uma solenidade oficial do Congresso, na abertura do ano
legislativo. Ao receber o ministro Joaquim Barbosa com aqueles modos, Vargas
mandou às favas seu papel institucional e se comportou como um chefete de
facção, um arruaceiro, um "black bloc" do Parlamento. Tornou-se um
depredador da ordem democrática.
Igualmente
estupefaciente é a decisão do PT - e é ação partidária, sim - de arrecadar
fundos na Internet para pagar as multas impostas pelo STF aos mensaleiros. Ao
fazê-lo, note-se, marca um reencontro com aquela turma que se negou a homologar
a Constituição de 1988, há longos 26 anos. Tratou-se, é sabido, de um gesto
simbólico, a deixar claro, no entanto, que o partido não se colocava como um dos
procuradores da ordem democrática. Evidenciava-se, e se reitera hoje, que o
petismo não se sentia representado por aquele arcabouço legal e institucional
nem se comprometia com a defesa dos seus valores.
A
cerimônia em que Alexandre Padilha transferiu o comando do Ministério da Saúde
para Arthur Chioro foi um emblema da degradação republicana. A solenidade foi
transformada numa peça cínica de antecipação da disputa eleitoral, com
generalizações e omissões grosseiras sobre os próprios feitos e os alheios. Os
discursos estavam eivados de provocações baratas e mesquinharias que nada
tinham a ver com o interesse público.
O
Brasil vai acabar por isso? Não. O Sudão do Sul não acaba. O Haiti não acaba.
Mas vamos nos condenando a ser o que já somos, porém um pouco piores a cada dia
porque outros melhoram. Vejam o que aconteceu, por exemplo, com a Coreia do Sul
em 26 anos. No Brasil, o futuro demora tempo demais para chegar. Mercadistas
sem imaginação e oportunistas travestidos de esquerdistas pragmáticos acham isso
tudo bobagem. Os banqueiros e a CUT fingem acreditar que existe lugar entre os
bons para um país com moldura institucional estropiada.
Musil,
em "O Homem Sem Qualidades", define assim o advento de uma nova era
em Kakânia, um país imaginário: "Algo imponderável. Um presságio. (...)
Como quando fios de novelos se desmancham. Quando um cortejo se dispersa.
Quando uma orquestra começa a desafinar. ("¦) Ideias que antes possuíam um
magro valor engordavam. Pessoas antigamente ignoradas tornavam-se famosas. O grosseiro
se suaviza. ("¦) Havia apenas um pouco de ruindade demais misturada ao que
era bom, engano demais na verdade, flexibilidade demais nos significados
("¦)".
Servia
para Kakânia. Serve para Banânia. No país imaginário de Musil, gênios até
podiam ser tomados como patifes, mas patifes jamais eram tomados como gênios.
Já aqui...
Fonte: "Folha de São Paulo"
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