Por J. R. Guzzo
Alguma coisa deu
terrivelmente errado com o Brasil de hoje. Só pode ser isso: com o dramático
início do cumprimento das penas pelos condenados do mensalão, nessa feia
penitenciária da Papuda, a corrupção na vida política brasileira deveria estar
na defensiva.
Se os principais chefes do
partido que manda no Brasil há dez anos foram para a cadeia, o lógico seria
esperar mais cautela dos bandos que operam nos escalões inferiores; afinal, se
a impunidade de sempre falhou até com a turma que está no topo da árvore,
poderia falhar de novo com qualquer um.
Uma retração geral da
roubalheira, nessas circunstâncias, teria de estar acontecendo em todo o
território nacional. Mas os fatos mostram exatamente o contrário: justo agora,
com Papuda e tudo, está no ar um espetáculo de corrupção maciça, sistemática e
rasteira na prefeitura de São Paulo, envolvendo possíveis 500 milhões de reais
em prejuízos para o público, duas administrações e fiscais que chegavam a
ganhar 70000 reais por semana desviando dinheiro do ISS municipal.
Mas essa turma toda não
deveria estar com medo do ministro Joaquim Barbosa? Não teria de parar um
pouco, pelo menos durante estes momentos de mais calor no Supremo Tribunal
Federal? Sim, sim, mas está acontecendo o contrário - rouba-se mais, e não
menos. Que diabo estaria havendo aí? É uma disfunção do sistema; parece que o
programa não está mais respondendo.
Sem dúvida, vive-se no
Brasil de hoje um momento todo especial. De todos os instrumentos conhecidos
para fazer concentração de renda, poucos são tão selvagens quanto a corrupção;
lideranças que se colocam na vanguarda das "causas populares", como se diz.,
deveriam, para merecer algum crédito, ser as primeiras no combate a essa praga.
Mas não foi possível notar,
quando esse último escândalo estourou, a mínima preocupação do mundo político
oficial com os fatos denunciados - é como se 500 milhões fossem um mero
trocadinho, coisa para o juízo de pequenas causas, talvez, ou algo a ser
tratado como um empurra-empurra em escalões inferiores.
A reação do maior líder
político do país ,o ex-presidente Lula, e das cúpulas do PT resumiu-se a uma
única questão: como evitar que o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que
se estranhou no episódio com o seu sucessor petista, Fernando Haddad crie
problemas para a candidatura à reeleição da presidente Dilma, em 2014.
Afinal, trata-se de um
aliado - e aliados estão acima de tudo para a "governabilidade" da nação, tal
como ela é vista no partido do governo. Foi precisamente por aí, na verdade,
que se chegou até aqui: de apoio em apoio, de acordo em acordo, de negócio em
negócio, Lula e o PT tornaram-se iguais às forças políticas que mais combateram
quando eram oposição, e que sempre denunciaram como as grandes culpadas pelo
atraso, pobreza e injustiça do Brasil.
Ao fecharem os olhos à
corrupção e a outras taras que degeneram a vida pública no país, e ao
descartarem como "moralismo" toda e qualquer denúncia contra a imoralidade,
criaram os corvos que hoje os perseguem. Nada mais merecido, para quem adotou
essa opção, do que ver na cadeia José Dirceu e José Genoino, suas "figuras
históricas" e astros do mensalão - e em plena liberdade, com sua vida política
cada vez melhor, os Sarney e os Collor, os Maluf e os Calheiros, inimigos de
ontem e sócios de hoje.
Não era assim que estava
programado.
Há personagens que nos
presenteiam com momentos de grande conforto. O ex-presidente Harry Truman, dos
Estados Unidos, até hoje o único ser humano a utilizar armas atômicas em
guerra, é um deles.
Depois de deixar a
Presidência, como lembra um relato que tem circulado no mundo digital, recusou
todas as ofertas financeiras que recebeu das grandes empresas americanas para
exercer cargos de diretor, ou consultor, ou membro do conselho ou qualquer
atividade paga por elas.
"Vocês não querem a mim",
dizia Truman, certo de que ninguém estava interessado em pagar para ouvir suas
ideias, conhecimentos ou lições. "Vocês querem é a imagem do presidente. Isso
não está à venda."
O ex-presidente Lula, e
antes dele Fernando Henrique, e antes de ambos Bill Clinton, e depois dos três
a presidente Dilma Rousseff e o presidente Barack Obama, têm todo o direito às
fortunas que já ganharam ou vão ganhar das maiores corporações do mundo com
suas palestras.
Mas dão direito, também, a
que se faça uma pergunta: do ponto de vista da decência comum, qual das duas
posturas parece ser a mais bonita?
Fonte: Revista "Veja"
Nenhum comentário:
Postar um comentário