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domingo, 19 de setembro de 2010

OAB nacional se recusa a homologar urnas eletrônicas

Por Amílcar Brunazo Filho
Tradicionalmente a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), assumem posições corajosas em defesa de ideais e princípios sociais. Como membro do Comitê Multidisciplinar Independente (CMind) e moderador do Fórum do Voto Seguro, venho manifestar minhas congratulações ao Conselho Federal da OAB e à sua Comissão de Informática pela recente decisão de não legitimar os programas de computador do sistema eleitoral desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Como poucos vão entender a importância e a coragem dessa nova postura da OAB, cabe aqui apresentar um breve histórico.
Em 2002, foi aprovada a Lei 10.408/2002, que previa a adoção do Princípio da Independência do Software em Sistemas Eleitorais a partir de 2004. Esse princípio determina que auditoria do resultado eleitoral possa ser feita de uma forma que não dependa de confiar no software instalado nas máquinas de votar.
Em 2003, a autoridade eleitoral absoluta brasileira, comumente chamada de Justiça Eleitoral, laborou para derrubar essa lei antes mesmo que vigorasse, e conseguiu aprovar a Lei 10.740/2003, que restabelecia a situação anterior, em que a auditoria do resultado eleitoral era substituída por um método totalmente dependente da confiabilidade do software. E, para tentar estabelecer a confiabilidade do software eleitoral, essa lei de 2003 concedeu aos partidos políticos, ao Ministério Público e à OAB a função de validar e assinar digitalmente os programas desenvolvidos pelo TSE.
Em 2004, a atuação destas entidades foi a seguinte:
1) o PT, PDT e OAB enviaram representantes para avaliar o software, e chegaram a desenvolver programa próprio de assinatura digital;
2) o MP assumiu uma posição estritamente formal. Não fez nenhuma avaliação do software eleitoral, mas decidiu assiná-los mesmo assim, usando um programa derivado do programa do PDT.
Esta experiência revelou enormes custos e dificuldades que, na prática, tornavam impossível a validação do software por essas entidades.
Assim, a partir de 2006, o PDT continuou enviando representante para analisar os programas, mas deixou de assinar digitalmente porque não podia assegurar a confiabilidade do sistema analisado.
A OAB assumiu a mesma postura formal do MP em 2006 e 2008, isto é, não fazia nenhuma avaliação técnica do software eleitoral, mas emprestava seu prestígio à autoridade eleitoral ao participar da cerimônia oficial final de assinatura dos arquivos.
Em abril de 2010, o CMind entregou o seu relatório ao presidente da OAB, Ophir Calvacante Júnior, em que denunciava os riscos à sociedade nessa postura de legitimar o software eleitoral sem de fato, tê-lo avaliado. Ophir Cavalcante disse então que pediria parecer à comissão de Direito Eleitoral e Informática da entidade, e tornou sua posição pública:
“Se o parecer disser que a Ordem não deve legitimar, não vamos legitimar [o atual modelo de votação eletrônica]”, ressaltou, antes de reconhecer que “hoje, a OAB faz de conta [que fiscaliza as eleições]”.
http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2010/04/15/Brasil/OAB_diz_que_sistema_de_votacao_el.shtml
A promessa foi cumprida. A comissão de informática da OAB enviou Rodrigo Anjos, especialista em Tecnologia da Informação, como seu representante devidamente credenciado ao Tribunal Superior Eleitoral. Ao constatar que o conjunto do software eleitoral era composto por dezenas de milhares de arquivos com mais de 16 milhões de linhas de códigos-fonte, foi confirmado que não havia condições práticas de validar o software do TSE e decidiu-se que a OAB não iria assinar cada programa para que não se passasse a imagem de legitimadora do processo.
Houve, no entanto, um mal-entendido no desenrolar. O TSE marcou inicialmente a cerimônia de assinatura e lacração dos sistemas para o dia 2 de setembro, e seu presidente convidou o presidente da OAB para a cerimônia. Como a OAB não iria assinar os programas, foi enviado o advogado Francisco Caputo Neto, presidente da OAB do Distrito Federal, para assistir a cerimônia.
Mas, naquele momento, Caputo foi convidado a assinar "o pacote dos programas" (e não cada programa individualmente), e assinou-os sem saber ou sem considerar que tal assinatura era meramente formal, e não capacitaria os representantes da OAB a poder verificar as assinaturas dos sistemas instalados.
Desde então, no site do TSE consta com destaque a notícia de que a OAB, junto com o MP, teria dado legitimidade os programas.
http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/noticiaSearch.do?acao=get&id=1327485
Mas havia erros no software assinado no dia 2 de setembro, e nova cerimônia de compilação, assinatura e lacração teve que ser realizada nos dias 13 e 14 de setembro no TSE. Os erros encontrados eram primários (buffer overflow), e confirmam a imaturidade do processo de desenvolvimento do software do TSE, que já fora denunciada no Relatório COPPE-UFRJ (de 2002) e no relatório CMind (de 2010). Mostra ainda que quem assinou no dia 2 (MP, PT e Caputo Neto) não tinha feito uma avaliação eficiente.
Finalmente, na cerimônia do dia 14 de setembro, a OAB cumpriu a determinação de sua comissão de informática e não enviou nenhum representante para assinar e legitimar o software desenvolvido pelo TSE.
Consideramos bastante corajosa a decisão do presidente da OAB e merecedor de nosso elogio.
A assessoria de imprensa da autoridade eleitoral brasileira, que, por seu absolutismo, tem muita dificuldade em reconhecer suas mazelas, escondeu da imprensa a cerimônia do dia 14 para que não tivesse que admitir que havia erros nos programas, detectados à undécima hora. Escondeu também que a OAB finalmente deixou de legitimar seu método de desenvolvimento de software. Continua em destaque no site do TSE a notícia da lacração do dia 2, com a presença do representante da OAB.
A lamentar, temos a posição do MP de continuar assinando os sistemas do TSE sem nunca ter feito nenhum esforço técnico de avaliação do sistema, permitindo que se passe para a sociedade que esta instituição legitima um sistema eletrônico que, na realidade, nunca avaliou.
Como engenheiro que sou, lamento também que a minha associação de classe, o sistema CREA-CONFEA, não tenha ainda se capacitado para avaliar o sistema eleitoral eletrônico brasileiro e apresentar seu parecer à sociedade brasileira.
Mais uma vez, parabéns à OAB por sua atitude responsável de não omissão perante a sociedade.

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