Coluna de Diogo Mainardi, na "Veja":
A guerra no Iraque acabou. Só que ninguém parece ter notado. O Iraque se tornou O Deserto dos Tártaros dos americanos. Isso mesmo: Dino Buzzati. No romance, os soldados italianos, entrincheirados num forte, preparam-se para o ataque do inimigo. O ataque nunca acontece. Passam-se décadas e mais décadas. Aos 54 anos, o protagonista finalmente adoece e morre. Sem jamais ter abandonado o forte. Sem jamais ter combatido os tártaros.
Como é que alguém pode afirmar com tanta certeza que a guerra no Iraque acabou? Pelo número de fatalidades. Em julho deste ano, morreram apenas treze soldados americanos, oito dos quais em combate e os outros por causas acidentais ou naturais, como o protagonista de O Deserto dos Tártaros. Compare com a mortandade do mesmo período do ano passado. Em julho de 2007, morreram 79 soldados americanos - seis vezes mais. O inimigo sumiu.(...)
Uma queda semelhante ocorreu entre os civis iraquianos. Em julho de 2007, de acordo com o site independente Iraq Coalition Casualty Count, foram mortos 1 690 iraquianos. A imprensa repetia todos os dias que o Iraque já mergulhara numa guerra civil, e que a estratégia dos Estados Unidos de aumentar o número de tropas fracassara tragicamente. De lá para cá, tudo mudou. Em julho de 2008, foram assassinados somente 402 iraquianos. A maioria em atentados de mulheres-bomba.
Pode-se argumentar que uma guerra é mais do que uma simples contabilidade macabra. Mas trata-se de um argumento fajuto. Uma guerra é isso mesmo: sangue. De um lado e do outro. E, em matéria de sangue, o Iraque está normal. Aliás, esse foi o termo usado, na semana passada, pelo comandante militar dos Estados Unidos, o general David Petraeus: normal. Agora, prepare-se para passar mal e cair do sofá estrebuchando: proporcionalmente, nos últimos dois meses, matou-se menos no Iraque do que no Rio de Janeiro. Doeu? Doeu. Caiu do sofá estrebuchando? Estrebuchando e babando.
A campanha presidencial americana, como o forte de Dino Buzzati, também reflete um distanciamento amalucado da realidade. A plataforma dos candidatos para a guerra no Iraque baseou-se no cenário de um ano atrás. Barack Obama apostou numa derrota americana e prometeu fugir em disparada. John McCain apostou numa batalha longa e sangrenta, perfeita para alguém com seu passado militar. O que nenhum dos dois podia imaginar é que a guerra acabaria com tanta rapidez. O primeiro-ministro Nuri al-Maliki, que era ridicularizado por todos, agora controla o país. Os soldados iraquianos, que se rendiam em massa aos insurgentes, acabam de iniciar a quinta campanha militar dos últimos meses, em Diyala. Os terroristas da Al Qaeda foram dizimados. Os milicianos de Al Sadr se entregaram. Ao contrário do que dizia Barack Obama, os Estados Unidos derrotaram os tártaros. Ao contrário do que dizia John McCain, seus soldados já podem se preparar para a retirada.
Ainda está estrebuchando e babando?
Ainda está estrebuchando e babando?
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