Em tempo de COP30 e debate sobre clima e meio ambiente. Um pouco longo para a mídia eletrônica. A técnica junto com a emoção do Sertão
Por Paulo Cesar Bastos
Muito já foi escrito, dito e prometido a respeito do flagelo da seca no Nordeste Brasileiro. Os índios já o conheciam, datam de 1583 as primeiras notas sobre uma seca que afugentou e matou milhares de brasileiros nativos. Não foi, portanto, o colonizador, que trouxe a seca, ele já a encontrou, porém, à medida que a população crescia e as caatingas eram desbravadas o fato passou a ter caráter de calamidade pública. O tempo foi passando, o tormento do estio voltando, sendo que até a coroa do imperador foi prometida à venda para resolver esse problema que está posto aí, até nossos dias.
Ao longo dos séculos e dos governos sempre foram alegados poucos recursos para muitos problemas, sendo adiadas as providências necessárias para minorar o sofrimento do povo sertanejo, provocado pelos cíclicos e inevitáveis períodos de seca. No presente, uma pretensa e suspeita modernidade divulga a imagem errônea da inviabilidade econômica do semiárido e age, também, no sentido de incompatibilizar os incentivos adequados ao desenvolvimento regional, revelando, dessa maneira, um absurdo desconhecimento da realidade do Nordeste.
O sertão frequentemente tem a sua população castigada por inclementes e devastadoras estiagens, destruindo lavouras, comprometendo a pecuária, enfim, refletindo negativamente nos outros setores da economia. Acrescenta-se a isso a sempre preocupante previsão do retorno do "El Niño", que leva a precipitação abaixo da média no Nordeste brasileiro. Desse modo, é inconcebível, que com o atual desenvolvimento tecnológico, ainda, não se tenha encontrado uma solução para o drama da seca.
O problema é de vontade política, portanto, o momento histórico exige do governo brasileiro o estabelecimento de um plano permanente de implantação das obras de infraestrutura hídrica capazes de resistir e conviver com a seca, de modo a permitir uma produção adaptada e organizada que impulsione a economia, gerando emprego e renda, melhorando a qualidade de vida do homem do campo, fixando-o nas pequenas comunidades, evitando, por consequência, o êxodo rural que é uma das causas do inchamento urbano.
O secular plano de transposição das águas do Rio São Francisco, obra já em implantação, demandado pelos estados ao norte da Bahia, discutido intensamente, poderá ser uma solução, não impedindo, no entanto, outras ações complementares que têm sido práticas correntes ao longo do tempo e das civilizações.
A história comprova que uma das alternativas eficazes para restringir os efeitos da seca é a construção de pequenas barragens em série, perenizando e regularizando os cursos d’água. Já o faziam os faraós no Egito, ao longo do Rio Nilo. Nos tempos modernos é notável o trabalho de regularização do Rio Tennessee, nos EUA, como fator de progresso para aquele vale. Torna-se necessária, portanto, uma reflexão e conscientização dos poderes públicos e da sociedade de que é fundamental um plano de perenização dos rios nordestinos. Esse é o nosso desafio.
É notória a constatação de que um plano de perenização fluvial afastará os principais obstáculos para o desenvolvimento socioeconômico do semiárido. Os estudos climatológicos demonstram que o maior problema não é a escassez e sim a má distribuição das chuvas, aliada ao mau aproveitamento do escoamento superficial que corre para os rios e destes, com rapidez, devido às altas declividades, para o mar.
Isso demonstra que é imprescindível um sistema que proporcione um armazenamento máximo das águas das chuvas, para ser utilizado oportunamente. O argumento da forte incidência solar e elevada evaporação não invalida esse sistema de acumulação.
Desse modo, a construção de barragens sucessivas, de portes diversos, alimentadas ou não por barragens - mães, sempre a depender das condições das bacias hidrográficas -, contribuirá decisivamente para fortalecer e viabilizar o abastecimento d'água, a piscicultura e as pequenas e médias irrigações.
Não estão sendo apresentadas nestas linhas ideias originais. Aqui, está sendo reafirmado o brado de muitos patriotas. Assim, reverenciando o lendário "Os Sertões", é importante que seja relembrado o que o nosso extraordinário escritor e eminente engenheiro Euclides da Cunha proclamava nessa sua monumental obra literária e tratado científico, ao final do capítulo A Terra, em um trecho sobre o Martírio Secular da Terra:
"Abarreirados os vales, inteligentemente escolhidos, em pontos pouco intervalados, por toda a extensão do território sertanejo, três consequências inevitáveis decorreriam: atenuar-se-iam de modo considerável a drenagem violenta do solo, e as suas consequências lastimáveis; formar-se-lhes-iam à ourela, inscritas na rede de derivações, fecundas áreas de cultura; e fixar-se-ia uma situação de equilíbrio para a instabilidade do clima, porque os numerosos e pequenos açudes uniformemente distribuídos e constituindo dilatada superfície, de evaporação, teriam, naturalmente, no correr dos tempos, a influência moderadora de um mar interior, de importância extrema.
Não há alvitrar-se outro recurso."
Posto isso, certamente, a perenização dos rios do Nordeste Brasileiro é uma alternativa possível e compatível com as características e necessidades do semiárido, podendo ser a estratégia que permita maximizar o uso dos recursos pluviais, armazenando-os, para depois aproveitá-los e incorporá-los ao processo produtivo, como já ocorreu em outras regiões semelhantes do mundo.
Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil e produtor rural


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