Ministro corintiano não vê diferenças entre uma questão judicial e um jogo de futebol
Por Augusto Nunes
"Eu sou corintiano, como todos sabem", começou o mais curto, surpreendente e destrambelhado pronunciamento de Alexandre de Moraes desde que descobriu os superpoderes concedidos a titulares do Timão da Toga. Sem esclarecer a abrangência do pronome indefinido plural - todos os parentes, todos os amigos, todos os demais torcedores ou todos os brasileiros? -, o governador-geral das eleições partiu para a evocação do trauma, sofrido quando tinha 8 anos de idade, que explica a origem do seu estilo tiro-porrada-e-bomba: “Até hoje eu contesto a vitória do Internacional contra o Corinthians em 1976, aquela bola que bateu na trave e bateu fora e foi dado o gol”.
Feito o misterioso preâmbulo, chutou de bico no pau de escanteio: "Só que eu fico com a minha contestação pra mim mesmo. É assim que o Tribunal Superior Eleitoral vai tratar quem contestar as eleições". Enfim se soube que um gol que Moraes tenta digerir há quase 50 anos poluiu a cabeça baldia com certezas tão esquisitas quanto um baile a rigor no meio do Deserto do Saara.
Para o presidente do TSE, por exemplo,
não há diferenças entre uma questão judicial no Brasil do século 21 e um jogo
de futebol de antigamente. Mais: o despacho injusto de quaisquer excelências do
alto comando do Judiciário é tão definitivo e inapelável quanto decisões
desastradas dos juízes que suavam nos gramados trajados de preto e calçando
chuteiras.
Alguma alma piedosa precisa contar à
sumidade em matéria eleitoral que foi para reduzir ao mínimo o volume de erros
que os dirigentes do mundo do futebol decidiram socorrer os árbitros com a
criação do Video Assistant Referee, o VAR. Caso tivesse ocorrido neste outubro,
o gol que segue atormentando o ministro decerto seria anulado pela revisão das
imagens. Mas Moraes prefere um TSE sem VAR ou qualquer outro instrumento de
correção. A usina de decisões monocráticas, frequentemente sem pé nem cabeça,
não admite contestações protagonizadas por quem se considera prejudicado. E
vive perdendo a paciência com quem constata que os doutores a serviço da Justiça
Eleitoral são tão imparciais como mãe de candidata a miss na noite do desfile
final.
"Seremos implacáveis
com divulgadores de fake news", recita Moraes desde a festa de
posse em que foi aplaudido de pé por meia dúzia de reputações ilibadas e uma
imensidão de prontuários. Mas só quem vota em Jair Bolsonaro comete esse pecado
capital, informa a enxurrada de punições impostas a quem publica notícias que
possam prejudicar o ex-presidente Lula. Até os bebês de colo sabem que o chefe
do Mensalão e do Petrolão passou meses engaiolado em Curitiba. Mas o TSE proíbe
que o qualifiquem de ex-presidiário. Até napoleões de hospício compreendem que
as mortes ocorridas durante a pandemia foram causadas por um vírus chinês em
todos os países do mundo. Menos no Brasil, concorda o tribunal. Aqui só se
morreu de Bolsonaro, singularidade que libera adversários do candidato à
reeleição para acusá-lo de "genocida".
Ninguém errou tanto
quanto os pajés do Datafolha e do Ipec. Nenhum voltou a agir com a rapidez do
velho Ibope com novo codinome
Como comprova J.R. Guzzo na análise do tema de capa desta edição de Oeste, a Gazeta do Povo foi censurada por registrar que Lula é um velho amigo de Daniel Ortega - o ditador nicaraguense que, depois de prender um a um todos os que ousaram inscrever-se como candidato numa eleição de araque, agora deu de prender padres, freiras e bispos católicos. Não pode, resolveu o juiz Paulo de Tarso Sanseverino, outro impetuoso artilheiro do TSE. O companheiro Ortega e o companheiro Lula só se conhecem de vista. Quem acha o contrário quer induzir o eleitorado a acreditar que, se Lula conseguir regressar ao palco dos crimes incontáveis, vai declarar guerra ao Vaticano, estatizar igrejas e transformar púlpito em palanque. Às favas a liberdade de imprensa, os fatos, a sensatez, a verdade e a Constituição.
O batalhão de advogados, chefiado pelo inevitável Cristiano Zanin, consegue 11 decisões favoráveis a cada dez pedidos de remoção de notícias incômodas. E vence 101 a cada 100 ações destinadas a vetar o conteúdo ou interditar peças de propaganda eleitoral concebidas pela equipe de Bolsonaro. Alguém aí se surpreendeu? Zanin obrigou Gilmar Mendes a consumir barris de água para não desandar na choradeira exigida pelo desempenho de um advogado disposto a tudo para libertar o cliente bandido. Tão comovido quanto o decano do Supremo, Lula vai infiltrar Zanin no Pretório Excelso se alcançar um terceiro mandato. Para adular um possível colega, Moraes delegou ao ministro Benedito Gonçalves, aquele que Lula contempla publicamente com tapinhas no rosto, a missão de irritar Bolsonaro com o atrevimento dos antigos juízes de futebol.
Gonçalves proibiu a primeira-dama
Michelle Bolsonaro de aparecer com destaque no horário eleitoral, proibiu o
marido de gravar lives na residência oficial do casal, proibiu
o presidente da República de documentar com imagens a presença no funeral de
Elizabeth II em Londres, proibiu a reprodução de trechos do discurso na sessão
de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova
Iorque. Haja insolência. E haja esperteza, berra a impunidade dos mais ativos
parteiros de mentiras deste ano eleitoral: os donos das lojinhas de
porcentagens disfarçadas de "institutos de pesquisa".
Lula vai liquidar a disputa no primeiro
turno, mentiram em 1º de outubro apresentadores de telejornais e redatores de
primeiras páginas, todos amparados em pesquisas divulgadas por sete das nove
empresas em ação no Brasil. No dia seguinte, a apuração dos votos escancarou em
21 das 27 unidades da federação diferenças de proporções siderais entre os
prognósticos dos videntes de galinheiro e a verdade das urnas. Além de
atropelados pela ascensão de Bolsonaro, os fabricantes de índices foram
espancados pela desmoralizante inversão de posições nas disputas por governos
estaduais e vagas no Senado. Ninguém errou tanto quanto os pajés do Datafolha e
do Ipec. Nenhum voltou a agir com a rapidez do velho Ibope com novo codinome.
Neste 5 de outubro, os vigaristas da
estatística reapareceram com mesma fantasia. Segundo o Ipec, Lula está na
frente, Bolsonaro corre arfante quilômetros atrás. O TSE não vê nada de mais. O
favorito se fecha em casa, o azarão mobiliza multidões. Os doutores em eleição
fecham os olhos ao que acontece na margem esquerda do rio. Só vigiam o outro
lado. Mas não percebem que o povo se move à direita. Tampouco sabem que o povo
pune.
Título e Texto: Augusto Nunes,
revista Oeste, nº 133
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