No
último dia 26 de outubro, tão logo soube que presidente Dilma Rousseff
(PT) estava reeleita, o vereador paulistano Paulo Adriano Lopes Telhada (Foto: Reprodução),
coronel aposentado da Rota, sigla para Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar,
a tropa de elite da Polícia Militar, correu para despejar sua frustração no
Facebook: "Sul e o Sudeste deveriam iniciar o processo de independência de
um país que prefere esmola do que o trabalho, preferem a desordem em vez da
ordem, preferem o voto de cabresto do que a liberdade". Em 24 horas, seu
perfil na rede social ganhou mais de 25 000 novos adeptos - hoje, ele tem
221 000 seguidores. Filiado ao PSDB, Telhada é um dos expoentes de um grupo de
políticos campeões de votos nas eleições deste ano erguendo bandeiras
conservadoras.
No
último pleito,
Telhada foi o segundo deputado estadual mais bem votado para Assembleia
Legislativa de São Paulo, com 254 000 votos. O coronel é um legítimo
exemplo do neoconservadorismo brucutu - formado por políticos que às vezes
perdem a razão, mas não deixam de dar seu recado. No plano nacional, o fenômeno
de votos se repetiu com a eleição de políticos alinhados à direita,
muitos ligados à bancada evangélica, como o pastor
Marco Feliciano (PSC-SP), que recebeu 398.087 votos, e
o capitão da reserva Jair
Bolsonaro (PP-RJ), o terceiro deputado federal mais
votado do país, com 464.572 votos. E se é verdade que a linha dura agrada
a uma significativa parcela da sociedade que andava órfã, também é fato que
a verve incendiária tem um custo. A fala pós-urnas de Telhada foi
duramente criticada, inclusive por integrantes do seu partido, que o consideram
à direita das diretrizes programáticas do tucanato. "Aquilo foi um balão
de ensaio e acabei tomando um tiro pela culatra. Eu queria apenas fazer um
debate sobre a emancipação política de São Paulo. Na vida política, é preciso
se policiar porque qualquer coisa que se faz inocentemente paga-se
um sapo terrível", diz.
Feliciano
é dos principais alvos da patrulha de partidos e ativistas de esquerda,
especialistas em guerrilha nas redes sociais. Suas declarações controversas
pregaram-lhe a pecha de homofóbico
e racista.
O último a monopolizar os holofotes foi Bolsonaro, que acabou notabilizado por
defender a causa certa da forma errada: ao criticar a parcialidade do relatório
final da Comissão da Verdade, fez um ataque
grotesco à deputada Maria do Rosário (PT-RS), que integra a
tropa de choque governista.
Coronel
Telhada não esconde as dificuldades que ainda sente no papel de político. Os
últimos dois anos como vereador, seu primeiro cargo eletivo, têm lhe exigido
bastante. Falante, ele percebeu que, uma vez eleito, suas palavras se espalham
na internet como rastilho de pólvora - nenhuma outra declaração é tão
ilustrativa quando a de que "bandido bom é bandido morto". "Eu
não sou moralista, sou o maior porra louca que você pode pensar. Eu gosto das
coisas certas, eu adoro rock n'roll, adoro brincar, conversar, falar besteira,
mas eu sou milico, tenho uma formação militar, se me der uma ordem, eu vou
cumprir."
O
rótulo de intolerante foi reforçado há cerca de dois anos, quando foi acusado
por um repórter do jornal Folha de S. Paulo de tê-lo ameaçado de morte após
publicar uma reportagem crítica às postagens do coronel no Facebook. Na rede
social, o coronel usa o termo "vagabundo" para se referir a criminosos.
Incomodado, Telhada usou sua página na rede social para atacar o repórter, o
que causou uma reação agressiva de seus seguidores. Embora rechace a fama
de mau, Telhada conta resignado que ela o acompanhou durante a carreira
policial. "Sou mal visto na polícia porque eu sou um cara que mata bandido, que
faz bico. Não sou bem visto, não sou da elite, mas isso mudou depois que eu
virei político. Toda vez que eu quis voltar para a Rota eu ouvi um sonoro 'não'
e que eu sou perigoso para a Polícia Militar."
Telhada
passou a ser figura carimbada no noticiário policial no fim dos anos 1990,
quando comandava o 7º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo. Localizado no
Centro da capital paulista, o batalhão era responsável por áreas críticas da
cidade, como a Cracolândia. Foi uma das operações que comandou para retirar
usuários de drogas do local que o alçou à fama; a ação foi transmitida ao vivo
na TV pelo apresentador José Luiz Datena, na TV Record. A exposição o ajudou a
conseguir mais bicos nas horas de folga, como os 15 anos que cuidou da
segurança particular do apresentador Gugu Liberato. O fã-clube só cresceu
ao longo dos anos. Admiradores enviam cartas diariamente para o seu
gabinete na Câmara - uma delas, recebida na última semana, o alertava para
a possibilidade de ser envenenado por inimigos. "O mal entra pela boca, ou
seja, tenha cuidado com o que vai comer. Só coma o que todos estiverem
comendo", escreveu o admirador.
Apesar
de ter achado graça no alerta, Telhada leva a sério as ameaças reais e
recorrentes feitas pelo crime organizado. Na última sexta-feira, ele recebeu
alerta do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do
Ministério Público de que um membro da facção Primeiro Comando da Capital (PCC)
prometeu matá-lo de dentro da Penitenciária do Tremembé, no interior de
São Paulo. Para se proteger, ele anda armado. "Matar um Telhada é prêmio para o
crime organizado", afirma.
A
popularidade conquistada ao longo do anos só ficou evidente para ele quando
assumiu o comando da Rota, em maio de 2009. Na ocasião, Telhada seguiu o
protocolo e fez uma grande festa para se apresentar à tropa. O evento lotou o
quartel localizado na Luz, no Centro de São Paulo, de pessoas que queriam
conhecer o coronel. "Aí eu tive a noção da minha fama. O meu filho passa pela
mesma coisa agora como tenente da Rota. Em toda festa da Rota, eu não consigo
sair do lugar, são duas três horas tirando foto, dando autógrafo. O pessoal
leva os livros para eu autografar", diz. Rafael Henrique Telhada, de 28
anos, foi promovido recentemente a tenente da Rota.
Como
comandante e coronel, era comum Telhada receber cartas de mulheres apaixonadas
que ele sempre fez questão de mostrar à esposa, sua primeira namorada, com quem
é casado desde 1985. "Eu tinha um bigodão na época, tipo Pancho Vila, coisa de
tenente da Rota."
Aposentado
da polícia desde 2011, Telhada mantém as obrigações como militar em dia.
Pratica exercícios físicos regularmente, "porque tem uma tendência enorme
de engordar", e entra em ação quando presencia algum crime. Foi assim que
chamou a atenção dos colegas parlamentares há algumas semanas quando voltou
para a Câmara Municipal após o almoço com a camisa suja de sangue: minutos
antes, ele lutou e prendeu um menor que tentava roubar o celular. "Qualquer cidadão pode dar voz de prisão a alguém, mas um militar tem esse
dever. Eu amo ser policial, largaria tudo que estou fazendo para voltar a ser
policial. Quase pirei quando me aposentei."
Segundo
Telhada, é justamente a mente treinada a reagir de forma prática que
atrapalha sua adaptação como parlamentar. "O trabalho como vereador é mais
burocrático, diferente do policial. No quartel, se me falam 'vamos lá prender
aquele cara', eu vou. Se ele atirar, eu atiro de volta. Se ele morrer, dane-se.
Como militar, sou muito simples."
O
jogo de cintura, porém, tem sido requisitado mais vezes nos últimos meses desde
que ganhou força o movimento nas redes sociais pelo impeachment da
presidente Dilma. Telhada conta que é rotineiramente convocado a liderar uma
intervenção militar para retirar a petista do poder - o que ele diz
ser totalmente contra. "Isso é um absurdo, se quisermos mudar o
presidente, vamos mudar no voto. Se fizermos essa ilegalidade, o primeiro
sangue que vão derramar será o nosso, dos militares. Eu vou perder meu filho. É
meu neném que vai morrer, você acha que eu quero isso? Cansei de carregar alça
de caixão. Eu não quero que ninguém morra pela liberdade do país."
O
coronel bom de voto até chegou a participar de uma manifestação recentemente na
Avenida Paulista na qual subiu num carro de som para pedir a prisão dos
envolvidos no megaesquema de corrupção que sangrou a Petrobras. "Eu odeio
manifestação. Mas me chamaram e eu fui lá, subi no caminhão, foi legal, todo
mundo bateu palmas, mas é difícil. Fico incomodado em fechar uma avenida, o cidadão
quer ir para casa e eu fico lá travando o trânsito."
A
metralhadora verbal não poupa nem seu partido, o PSDB, o qual acusa de não
levá-lo muito a sério. Como deputado estadual, Telhada não será mais um
vereador de oposição, mas um integrante da ampla base parlamentar do
governador Geraldo Alckmin. "Nesses vinte anos que o PSDB está no governo
paulista, a segurança pública só degringolou. A valorização do pessoal é uma
porcaria, precisamos rever isso urgentemente. Minha função na Assembleia
Legislativa vai ser mudar a visão do PSDB em relação à Polícia Militar", diz o
coronel, que assume estudar propostas para integrar outros partidos, como o
ainda embrionário Partido Militar Brasileiro.
Cauteloso
ao falar de seu futuro na política, coronel Telhada diz que manterá o foco
em seu mandato como deputado estadual, mas assume que almeja voos mais altos - precisamente, uma cadeira no Senado. "Eu queria ter poder de mando,
colocar essa cidade em ordem, queria ter uma varinha de condão para fazer isso.
Senador eu acho um cargo legal, poder representar São Paulo em Brasília", diz.
Se depender dos admiradores nas redes sociais, votos não faltarão para chegar
lá.
Fonte: http://veja.abril.com.br/
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