Por Ucho Haddad
Torcer contra a seleção brasileira de
futebol não é tarefa das mais difíceis, pelo contrário. Difícil é reconhecer
publicamente tal postura. Conheço muitos que torcem contra o onze canarinho,
mas por questões profissionais são obrigados a faltar com a verdade. O fato de
admitir que torço contra a seleção não me faz melhor, nem pior. Apenas exercito
a coerência. E isso me deixa em paz com a consciência, até porque não há como
existir de forma incoerente.
Há 32 anos torço contra a seleção
brasileira, algo que começou durante a Copa de 1982, na Espanha, onde pude
conferir a farsa que se esconde por trás de uniformes que são equivocadamente
incensados como mantos sagrados. Uma farsa de fazer inveja ao mais decadente
lupanar.
Engana-se quem pensa que torcer contra
a seleção é torcer contra o Brasil. Ao contrário, só aqueles que de fato torcem
pelo Brasil é que conseguem desdenhar um grupelho de jogadores pagos a peso de
ouro e que se prestam a embalar o binômio "pão e circo". Aliás, não sou
daqueles que se deixam levar pelo ufanismo patriótico que surge a cada quatro
anos. Ser patriota é algo que transcende o grito de gol quando um pé
verde-louro balança a rede adversária. Patriotismo é lutar de forma firme e
contínua para defender a terra natal e seus conterrâneos, algo que faço
diuturnamente e com excesso de afinco. Posso até não acertar, mas faço pensando
nisso o tempo todo, como se buscasse um gol a cada instante.
De igual modo não me rendo aos embustes
palacianos esculpidos com o cinzel da maldade premeditada. Como gotas de éter
paralisam o consciente coletivo, cavam a sepultura da liberdade ameaçada. Não
me submeto a rapapés, nem permito que meu raciocínio seja abduzido por
oportunistas.
Nos derradeiros dias de 2008, alguns
palacianos, descontentes com as criticas ácidas e duras que fazia ao malandro
Lula, ousaram dizer que torcia contra o Brasil. Àqueles estafetas de quinta do
socialismo boquirroto do século XXI respondi que, pelo contrário, sempre torci
pelo Brasil. Como ainda torço e torcerei até o último suspiro. Se vida existe
no além, por certo minha alma seguirá a trilha recoberta com o verde-louro
desta flâmula. Só não aceito ser acusado de torcer contra apenas porque defendo
a lógica, a verdade, a coerência, a dignidade do povo e a responsabilidade com
a coisa pública.
Certa feita, o genial Nelson Rodrigues
escreveu ser a seleção a pátria em chuteiras. Estivesse vivo, Nelson Rodrigues
certamente já teria mudado de opinião e revisto seu conceito acerca do
selecionado nacional. Não fosse pela decadência burra da pátria, seria pela
essência pífia da seleção. Os que conhecem de perto as coxias do esporte bretão
sabem como funcionam suas engrenagens imundas e manipuláveis. Só deixarão de
concordar comigo porque se valem da incoerência de aluguel como desculpa para
sobreviver. Paciência! Cada um sabe o quanto o peso da consciência interfere no
sono leve dos justos.
Quando refiro-me ao ufanismo, busco
focar esses lampejos mentirosos de patriotismo. Milhões de pessoas se deixam
levar pelo enredo chicaneiro em que se transformou o futebol, aceitando,
inclusive, interromper os afazeres para, como quase obrigação, acompanhar uma
disputa que não trará dividendo algum. Tudo bem que é preciso sonhar e permitir
que uma vitória qualquer no tapete verde da arena esportiva mais próxima
funcione como anestésico das agruras do cotidiano, mas prefiro encarar com o
realismo a nação e suas assustadoras verdades, mesmo que desprovidas de
chuteiras. Esses mesmos ufanistas simplesmente ignoram o fato de que uma
vitória da seleção em nada contribuirá para mudar a realidade do Brasil, dura e
preocupante, é bom lembrar.
Nelson Rodrigues poderia, com todo o
direito que sempre lhe caberá, tentar me enquadrar na sua famosa expressão "idiota da objetividade", mas a epopeia futebolística de outrora não é mais a
mesma. Sou do tempo em que o imaginário enxergava a pátria refletida em cada
gomo da bola que rolava pelos gramados, exalando o perfume da invejável
intimidade com as chuteiras dos craques. Tempos outros, tempos impossíveis nos
dias atuais. Nada mais será como antes. Nem a bola, nem o gol. Nem o pretérito
romantismo de ser um torcedor, nem a razão insana que empurrava o grito de gol.
O passar dos anos muitas vezes
surpreende, mas ao mesmo é acalentador. O fato de ter passado dos cinquenta
permitiu-me acompanhar o quase ilusionismo que brotava da ponta das chuteiras
de cada jogador da seleção brasileira de 1970, tricampeã no México e
possivelmente a melhor de todos os tempos.
Nada será como antes, nada. Não se
trata de saudosismo, mas de saber o que é bom e verdadeiro. Aliás, o que foi
bom e verdadeiro em termos de futebol. A desnecessária Copa, que estreia dentro
de algumas horas, não passa de uma engalanada homenagem à mitomania. Aos
brasileiros foi prometido a Copa das Copas, a esses mesmos cidadãos está sendo
entregue algo muito distante da promessa. O fiasco só não será maior porque nos
derradeiros minutos o brasileiro se deixará enganar pela mão corrupta e obtusa
que balança o berço.
Sob a desculpa de que a partir de hoje,
até 13 de julho, tudo é festa, o Brasil mais uma vez confirma a sua vergonhosa
condição de paraíso do faz de conta. Assim é, se lhe parece, escreveu certa vez
Luigi Pirandello. Assim é o Brasil, um eterno faz de conta.
Faz de conta que as promessas foram
cumpridas, faz de conta que as obras foram concluídas, faz de conta que não
surrupiaram o dinheiro do contribuinte. Faz de conta… Faz de conta que muitos
serão os legados, faz de conta que os aeroportos funcionam, faz de conta que o
transporte público está perfeito. Faz de conta que não temos problemas, faz de
conta que tudo vai bem, faz de conta que a democracia funciona sem lamentar.
Faz de conta, Brasil, faz de conta…
A hipocrisia que ronda a Copa é tamanha,
que em campo, dentro das quatro linhas ou à beira delas, estarão pelo menos
dois investigados por dribles financeiros. Aqui e acolá. Dependendo do que
mostrar o placar, ambos serão ovacionados, afagados serão pelo sopro do falso
heroísmo. O que fizeram contra o Brasil pouco importa. Vale apenas o que
eventualmente fizerem com a camisa da seleção. Mas a seleção não é a pátria em
chuteiras? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Além do mais,
Nelson Rodrigues é um ultrapassado para essa gente.
Críticas surgirão e serão recebidas com
a humildade e a elegância de sempre, uma vez que, ao contrário dos jogadores da
seleção, não sou adepto do "salto alto". Assim como a soberba está sempre na
marca do pênalti. Não me submeto à ditadura da competição insana, nem à tirania
míope da ganância. Enquanto milhões de incautos manterão o olhar fixo e
marejado na direção da camisa amarela, debaixo do uniforme estará a soar o
tilintar do vil metal.
Futebol é negócio! E como tal não há
como o script ser diferente. Péssimo negociante que sou, prefiro limitar-me a
torcer pelo Brasil, não pela seleção, até porque de armadilhas estou exausto.
Há quem diga que o futebol é a paixão primeira do brasileiro, mas insisto
continuar com minhas diárias declarações de amor à terra natal. Não persigo a
vitória por obrigação, mas reconheço que "vencer", o verbo, cai melhor quando
conjugado na primeira pessoa do plural. Afinal, o Brasil somos todos nós, pois "filhos deste solo és mãe gentil", enquanto a seleção são apenas eles, filhos
da ignomínia nacional.
Levantar a taça somente quando o Brasil
for um verdadeiro país de todos. Até lá, espero que do povo heroico sempre
surja o brado retumbante. Por ti é que torço, Brasil! "Ó pátria amada,
idolatrada. Salve! Salve!".
Ucho Haddad é jornalista político e investigativo,
analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.
Fonte: ucho.info
Nenhum comentário:
Postar um comentário