Por Augusto Nunes
Confrontados com a notícia
de que Dilma Rousseff anda enxergando cachorros ocultos atrás de todas as
crianças do Brasil, os craques do duelo retórico que desapareceram da paisagem
política teriam demolido a usina de maluquices com meia dúzia de contragolpes
contundentes. Um Carlos Lacerda, por exemplo, provavelmente sugeriria que a
chefe de governo dedicasse ao exame dos incontáveis problemas reais o tempo que
desperdiça em visões mediúnicas. Um Jânio Quadros talvez perguntasse se os cães
também são distribuídos de acordo com as classes sociais ou se a presidente já
viu um galgo afegão seguindo um pequeno favelado (ou vira-latas escoltando a
filharada da elite golpista).
Para sorte de Dilma, a Era
da Mediocridade transformou numa espécie em extinção a tribo dos bons de briga,
ágeis no raciocínio e rápidos no gatilho - o antagonista mal acabara de
disparar uma bala bêbada e o revide imediato, certeiro e letal. Em vez de
Lacerda, Jânio e tantos outros que nunca negavam fogo, que jamais deixavam de
apanhar a luva atirada pelo desafiante, o neurônio solitário lida com
adversários exemplarmente gentis, que insistem em valsar com quem só dança
quadrilha. Previsivelmente, os candidatos à Presidência não abriram a boca
sobre a história do cachorro oculto.
Poupada de chacotas e
lambadas merecidíssimas, é natural que Dilma tenha desembarcado em Itajubá,
dois dias depois da discurseira alucinada em Porto Alegre, tão à vontade quanto
Rosemary Noronha num voo noturno do Aerolula. Caprichando na pose da
supergerente que chegou de trem-bala para mergulhar nas águas já transpostas do
Rio São Francisco, a candidata à reeleição inaugurou uma fábrica que não
construiu, jurou em comícios disfarçados de entrevistas que não está em
campanha e, generosa, ensinou aos adversários o que devem fazer para tomar-lhe
o emprego.
"Acredito que, para as
pessoas que querem concorrer ao cargo, elas têm de se preparar, estudar muito,
ver quais são os problemas do Brasil", ensinou. Um Leonel Brizola teria
retrucado que, se os demais pretendentes precisam estudar para melhorar a
cabeça, a cabeça de Dilma é que precisa ser estudada enquanto é tempo. É um
caso clínico e tanto (e, como a ciência não para de avançar, pode até ter
cura). Os líderes da oposição oficial, sempre cavalheirescos, preferiram
murmurar algumas ressalvas.
A falta de contragolpes
ajuda a entender o crescente atrevimento da governante à caça do segundo
mandato. Nesta terça-feira, apareceu em Vitória da Conquista, na Bahia, para
entregar aos eleitores 1.740 casas populares. O lote incluiu mais de mil
moradias sem água e sem luz. Até agora, os adversários não pareceram indignados
com o monumento ao cinismo. Devem achar que não se pode bater em mulher nem com
palavras.
Fonte: "Direto ao Ponto"
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