Por Ipojuca Pontes, em "Mídia Sem Máscara"
Caiu-me em mãos o nº. 39 da “piauí”, revista cultural de esquerda - de propriedade do filho do falecido banqueiro Walter Moreira Salles, João Moreira Salles - que, no propósito dissimulado de promover o filme “Lula, o Filho do Brasil”, traz ampla matéria sobre Luiz Carlos Barreto, tido pela publicação como “o chefe do clã mais poderoso do cinema nacional”. Título da reportagem: “Metade Jesus Cristo, metade Al Capone”.
Soa como uma heresia, ainda que por mera alusão, associar a figura tosca - e por vezes brutal - de Barreto a Jesus Cristo, mas a “piauí”, cópia mal-ajambrada da revista americana “The New Yorker”, na certa considerando o título da matéria apenas instigante, não se dá conta da provocação e atropela qualquer vestígio de sentimento cristão.
Para traçar perfil ambíguo de Luiz Carlos Barreto, a “piauí”, abaixo de qualquer suspeita, adotou a técnica do “New Journalism”, gênero jornalístico explorado à exaustão pela “The New Yorker”, que pretende fundir a objetividade da reportagem com elementos da narrativa ficcional - razão pela qual o “New Journalism” é encarado pelos seus mentores - entre eles, o “excêntrico” Truman Capote - como “romance de não-ficção”.
O leitor há de perguntar: como se processa o jornalismo do “New Journalism”, para muitos veteranos da imprensa apenas mais um caso de ourivesaria sub-literária?
Na prática, do seguinte modo: o editor da publicação, pretendendo alcançar “uma verdade mais ampla”, cola o escritor-jornalista no sujeito objeto da reportagem. Durante semanas, ou até meses, ele acompanha dia e noite a figura sobre a qual irá traçar o perfil: observa-lhe os modos, verifica como se relaciona com parentes e amigos, sua forma de agir e reagir no trabalho, o que o motiva, quais as pessoais idiossincrasias, anota suas opiniões e conversas, atenta para o que veste, come e bebe - e vai por ai. Ao cabo de tudo, reexaminadas as anotações, o repórter enfia os dedos no teclado e sai com a matéria que pretende ser mais completa do que a laborada pelo jornalista tradicional.
(Se o leitor quer uma definição aproximada, o “Novo Jornalismo” é uma narrativa literária em forma de peça jornalística, cujo significado moral, por acaso existente, é repassado ao leitor: é ele, em última análise, quem julga se a figura abordada está mais para Jesus Cristo que para Al Capone).
Mas, como mencionado, o tom predominante a perpassar a matéria da “piauí” sobre Barreto é o da ambigüidade. Mas, diga-se, o tratamento ambíguo adotado, que pesa em favor de produtor, resulta menos do caráter (híbrido) do “New Journalism” que do ânimo do repórter que traçou o perfil do problemático personagem.
Só para exemplificar: se o repórter almejasse dar ao leitor uma visão mais completa do empresário Barreto, na certa não deixaria de consultar os arquivos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (1ª Instância, Vara Cível) e tomar conhecimento das inúmeras ações judiciais (arquivadas ou não) contra o grande produtor, movidas, entre outros autores, pelo Município do Rio, Banco do Brasil, Banco do Estado do Ceará e o falido Banco Nacional, antigo guarda-chuva do Cinema Novo, responsável pelo cano de U$ 6 bilhões aos cofres públicos (leia-se bolso do contribuinte).
Por sua vez, uma simples visita ao setor processual do Ministério do Trabalho seria suficiente para se levantar o cipoal de ações trabalhistas demandadas por artistas e técnicos, ao longo dos anos, contra a LC Barreto.
Do mesmo modo, folheando o noticiário da grande imprensa (coleções em arquivo), o repórter, ainda que apressado, poderia tomar conhecimento de questões envolvendo, por exemplo, o ator Carlos Vereza e a atriz Vanja Orico, relativas ao uso indevido de imagem e da discutível paternidade do argumento do filme “O Boto”, produzido pela LC Barreto.
No capítulo de apelo à violência física, que o repórter da “piauí” encara na matéria como uma tendência controlado do caráter de Barreto (“Se eu pudesse, dava um soco na cara desse sujeito”, confessa o chefão do cinema referindo-se ao diretor do Festival de Brasília, Fernando Adolfo, durante a confusa exibição de “Lula, o Filho do Brasil”), bastaria a consulta aos arquivos de “O Globo”, jornal em que Barretão goza do prestígio de “popstar”, para dirimir alguma dúvida: documentado em foto, o produtor agride a socos e pontapés, por motivos fúteis, no Cine Leblon (Rio), um indefeso e ensangüentado funcionário da Embrafilme.
Mas a “piauí” não parece interessada em focar o lado menos prosaico de “Dom Luiz”. Antes prefere informar aos desavisados leitores que Barreto “controlou a Embrafilme” e “inventou a renúncia fiscal” que hoje abastece de grana polpuda o sempre insolvente cinema brasileiro.
Na verdade Barreto - ex-integrante da “tropa de choque” do corpo de Fuzileiros Navais e ex-repórter fotográfico formado nos pântanos da revista “O Cruzeiro” - nunca controlou nada nem muito menos inventou coisa alguma. Ele foi, no máximo, um experto beneficiário do processo.
No histórico, ocorreu o seguinte: em 1974, Ernesto Geisel (general estatizante mais tarde endeusado pela facção PT-Geisel dentro da Petrobras), substituiu Garrastazu Médici na Presidência da República. Médici, que achava prematura a idéia da anistia política aventada por Geisel (e aliados), tinha feito um governo excepcional, liquidando as guerrilhas comunistas e incluindo 1/3 da população na vida econômica da nação.
No comando do poder, Geisel colocou o general Golbery do Couto e Silva na chefia da Casa Civil da Presidência da República, pois ambos eram integrantes da ominosa “Sorbonne”, um grupo ativista dentro do Exército brasileiro habituado a expedir manifestos e fazer declarações políticas. Geisel, como Glauber Rocha (por malandragem), achava que Golbery era o “gênio da raça”, mas o “Bruxo” (era assim reconhecido nos bastidores de Brasília), autor da chatíssima “Geopolítica do Brasil”, não passava de um teórico com elevado déficit de imaginação, que se julgava capaz de controlar os comunistas mesmo sabendo que a partir da Intentona Vermelha de 35 eles só pensavam em tomar o poder.
(Aqui, um lembrete: foi o “Bruxo” quem, com uma reforma partidária que se dizia “maquiavélica”, deu tratos à bola para a criação do PT de Lula, partido insuflado por intelectuais marxistas e apostatas da “Teologia da Libertação”).
No ofício de executivo do governo, sempre imperativo e categórico, Golbery patrocinou a nomeação de um antigo companheiro do Clube Militar, Ney Braga, para o Ministério da Educação e Cultura. Este, por sua vez, com o aval de Golbery, nomeou Manuel Diegues Jr. - pai do velhíssimo Cacá Diegues - para o cargo de diretor geral do Departamento Cultural do MEC, onde foi chefe de Amália Lucy, filha de Geisel (Lembram-se da composição do Chico "Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta"?)
Com Ney Braga e Diegues Jr. em mãos, o general Golbery partiu para o aliciamento de intelectuais e artistas tupiniquins, entre eles, os cineastas do Cinema Novo, todos ávidos pela grana fácil “manchada de sangue” (da ditadura). O “Bruxo”, que se sentia especialmente vulnerável às criticas desfechadas pela esquerda internacional ao “golpe de 64”, testou na área cultural o mecanismo da “descompressão da panela de pressão” para promover, em seguida, a abertura política - “lenta, gradual e segura” - que, conforme previu Médici, terminaria por colocar no poder as figuras de Brizola, Arraes, Zé Dirceu, Genoíno, Serra, o delirante Darcy Ribeiro e dezenas de terroristas e “mensaleiros” hoje no comando da nação corrompida.
(Me ocorreu agora que Golbery, pretenso filhote de Maquiavel, tal qual o guru florentino, era um “cavalo paraguaio” - nasceu para perder).
No âmbito do cinema, a primeira investida de Golbery foi patrocinar a criação do Concine e Centrocine, bem como a reformulação da Embrafilme, até então nas mãos de gente como Durval Gomes Garcia, Moniz Vianna, Meira Penna, Walter Graciosa e Carlos Guimarães de Mattos, tidos como de “direita”. Com a grana administrada pelo “Bruxo”, via ministérios e órgãos competentes, a Embrafilme passou a produzir e distribuir filmes, prioritariamente os da patota do Cinema Novo, ao tempo em que Glauber Rocha e companheiros, elogiando Geisel, Golbery e Figueiredo, passaram a ser encarados pela mídia e PCs internacionais (e, em plano interno, pelo “Pasquim”) como “vendidos” - o que de fato eram.
Bem, e Barreto neste rondó dobrado?
De início, subordinado à patota cinemanovista comandada por Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos (um stalinista antigo), ficou contra a criação da Embrafilme, entoando a cantilena de que a empresa era instrumento “paternalista e totalitário” do governo militar. (Em caso de dúvida, vide “Lanterna de Popa” - Roberto Campos, TopBooks, 1994; “Plano Geral do Cinema Brasileiro” - Geraldo Santos Pereira, Ed. Borsoi, 1973; e “Cinema Novo - Entrevista de Jarbas Barbosa à Silvia Ortiz”, Riofilme, 1993).
Mas, como previsto, com a abertura dos cofres da “ditadura” militar, ordenado pelo inconseqüente Golbery, em pouco tempo Barreto, lépido serviçal do poder em todas as instâncias, logo aderiu ao “paternalismo autoritário” da estatal do cinema. (No entanto, é bom registrar, não como homem de “controle” ou figura de primeiro plano, mas, sim, como um “lutador de rua”, no velho estilo de “O Cruzeiro” de Chateaubriand, se apegando a qualquer coisa ou representatividade corporativa em benefício próprio e da família cineasta, toda ela dependurada nos incentivos oficiais dispensados à atividade parasitária).
Foi justamente nesta fase “dourada”, entre 1974-1979, que Barreto assumiu postura de “tycoon” caboclo, produzindo filmes milionários para o filho de Diegues Jr., Cacá (“Bye Bye Brasil”), seu parceiro de “operações”, e para o próprio filho Bruno (“Dona Flor e Seus Dois Maridos”, pornochic azeitado na literatura-dendê de Jorge Amado e, segundo Alex Viany, crítico de cinema comunista, na “bunda de Sônia Braga”.
Quanto a “invenção da renúncia fiscal”, que a apressada “piauí” atribui à Barreto, pode-se assegurar que ela é absolutamente irreal. Sua paternidade pertence à produtora Xuxa que, no final dos anos 1989, depois de consulta à Andima - Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro -, articulou, via Comissão de Valores Mobiliários (Bolsa), a colocação de ações privilegiadas no mercado, objetivando a produção cinematográfica.
Antes, nos Estados Unidos, como estimulo fiscal para a indústria do cinema, foi criada pelo governo, de forma temporária, uma “Tax Shelter”, limitada a não-taxação do capital privado investido na produção de filme. Mas Ronald Reagan, ex-ator e ex-presidente do Sindicato de Atores de Hollywood, acabou com a festa ao assumir a Presidência e saber que ela estava sendo usada, não sei como, indevidamente.
Quando estive em Brasília à frente da Secretária Nacional da Cultura, inteiramente favorável à extinção da Embrafilme, empresa corrupta e corruptora, o produtor Barreto apareceu por lá. Afável, “boa praça”, tinha chegado de longa temporada em Nova Iorque, depois de ter vendido à Zé Sarney, em final de governo, a exibição de três filmes velhos na TV Educativa pela exagerada quantia de Cr$ 450 mil - escândalo que gerou reportagens na “Veja”, “IstoÉ” e no “Estatão”.
De início, por mero pretexto, Barreto aventou a hipótese de comprar o acervo da Embrafilme. Começou ali sua carreira de caixeiro-viajante do projeto anteriormente sacado pela produtora da Xuxa. Antes de sair do governo, em 1991, entreguei a Collor o Projeto de Lei nº. 5/91, a ser encaminhado ao Congresso Nacional, que tratava, seguindo o modelo americano, de isentar de encargos (tributos) a pessoa física ou jurídica que investisse grana viva, do próprio bolso, na produção cinematográfica.
(Soube, depois, que Collor tinha vetado as simbólicas isenções fiscais do projeto, no que, de resto, agiu bem).
Fica a pergunta: por que nos dias atuais a mídia cabocla passa por cima da realidade e corrompe os fatos de forma vil? Por que, por exemplo, um “homem de rua” como Luiz Carlos Barreto é considerado “o grande produtor do cinema nacional”, em detrimento de um Oswaldo Massaíni, Ademar Gonzaga ou Herbert Richers, que nos deram a Palma de Ouro, estúdios bem equipados e mais de uma centena de filmes sem um centavo do governo, entre eles, obras louvadas como “Vidas Secas” e “Assalto ao Trem Pagador”?
Resposta: por pura e simples deformação ideológica: no Brasil, a mídia cultural e o que se tem por “formadores de opinião” tornaram-se, com exceções contadas a dedo, instrumento de sustentação do pensamento único comprometido com o totalitarismo “gauche”. E não fica por aí: os tipos que “ensinam” jornalismo nas escolas de comunicação, em geral marxistas camuflados, só pensam em criar, a todo custo, “agentes da causa”. De fato, eles não formam jornalistas, mas, sim, militantes.
No entanto, a despeito da mídia amestrada, devo assegurar que a produção milionária de “Lula, o Filho do Brasil” reservou ao produtor Barreto posição histórica singular: com ele, o cinema tupiniquim entrou, afinal, na era da propaganda oficial a serviço da política eleitoral - uma aspiração antiga do velho Cinema Novo. Agora mesmo, neste crucial 2010, depois do fracasso inquestionável de seu filme, mas com a grana fácil dos subsídios oficiais, o ladino produtor prepara-se para montar uma caravana fabulosa e exibi-lo em “grande parte de 90% dos municípios brasileiros que não têm cinema” - vale dizer, num continente.
Se me permitem, parece que há um obstáculo temerário nesta nova investida de Barreto: como sua peça de propaganda vem sendo considerada chatíssima, o público, mesmo simplório, pode não gostar. Ainda que não pague um centavo para assisti-la.
PS - Ah, ia esquecendo: a “piauí” repassa ao leitor a explicação de que o “modus operandi” de Barreto é idêntico ao de Al Capone (citando Rosselini, via o próprio Barretão). Mas a revista, ambígua, não esclarece que Capone, gangster execrável, foi preso em Alcatraz por sonegação de impostos e, ao sair da cadeia, sifilítico, morreu em Palm Beach, Flórida, em 1947.
Ao contrário de Barreto, estava completamente arruinado.
Caiu-me em mãos o nº. 39 da “piauí”, revista cultural de esquerda - de propriedade do filho do falecido banqueiro Walter Moreira Salles, João Moreira Salles - que, no propósito dissimulado de promover o filme “Lula, o Filho do Brasil”, traz ampla matéria sobre Luiz Carlos Barreto, tido pela publicação como “o chefe do clã mais poderoso do cinema nacional”. Título da reportagem: “Metade Jesus Cristo, metade Al Capone”.
Soa como uma heresia, ainda que por mera alusão, associar a figura tosca - e por vezes brutal - de Barreto a Jesus Cristo, mas a “piauí”, cópia mal-ajambrada da revista americana “The New Yorker”, na certa considerando o título da matéria apenas instigante, não se dá conta da provocação e atropela qualquer vestígio de sentimento cristão.
Para traçar perfil ambíguo de Luiz Carlos Barreto, a “piauí”, abaixo de qualquer suspeita, adotou a técnica do “New Journalism”, gênero jornalístico explorado à exaustão pela “The New Yorker”, que pretende fundir a objetividade da reportagem com elementos da narrativa ficcional - razão pela qual o “New Journalism” é encarado pelos seus mentores - entre eles, o “excêntrico” Truman Capote - como “romance de não-ficção”.
O leitor há de perguntar: como se processa o jornalismo do “New Journalism”, para muitos veteranos da imprensa apenas mais um caso de ourivesaria sub-literária?
Na prática, do seguinte modo: o editor da publicação, pretendendo alcançar “uma verdade mais ampla”, cola o escritor-jornalista no sujeito objeto da reportagem. Durante semanas, ou até meses, ele acompanha dia e noite a figura sobre a qual irá traçar o perfil: observa-lhe os modos, verifica como se relaciona com parentes e amigos, sua forma de agir e reagir no trabalho, o que o motiva, quais as pessoais idiossincrasias, anota suas opiniões e conversas, atenta para o que veste, come e bebe - e vai por ai. Ao cabo de tudo, reexaminadas as anotações, o repórter enfia os dedos no teclado e sai com a matéria que pretende ser mais completa do que a laborada pelo jornalista tradicional.
(Se o leitor quer uma definição aproximada, o “Novo Jornalismo” é uma narrativa literária em forma de peça jornalística, cujo significado moral, por acaso existente, é repassado ao leitor: é ele, em última análise, quem julga se a figura abordada está mais para Jesus Cristo que para Al Capone).
Mas, como mencionado, o tom predominante a perpassar a matéria da “piauí” sobre Barreto é o da ambigüidade. Mas, diga-se, o tratamento ambíguo adotado, que pesa em favor de produtor, resulta menos do caráter (híbrido) do “New Journalism” que do ânimo do repórter que traçou o perfil do problemático personagem.
Só para exemplificar: se o repórter almejasse dar ao leitor uma visão mais completa do empresário Barreto, na certa não deixaria de consultar os arquivos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (1ª Instância, Vara Cível) e tomar conhecimento das inúmeras ações judiciais (arquivadas ou não) contra o grande produtor, movidas, entre outros autores, pelo Município do Rio, Banco do Brasil, Banco do Estado do Ceará e o falido Banco Nacional, antigo guarda-chuva do Cinema Novo, responsável pelo cano de U$ 6 bilhões aos cofres públicos (leia-se bolso do contribuinte).
Por sua vez, uma simples visita ao setor processual do Ministério do Trabalho seria suficiente para se levantar o cipoal de ações trabalhistas demandadas por artistas e técnicos, ao longo dos anos, contra a LC Barreto.
Do mesmo modo, folheando o noticiário da grande imprensa (coleções em arquivo), o repórter, ainda que apressado, poderia tomar conhecimento de questões envolvendo, por exemplo, o ator Carlos Vereza e a atriz Vanja Orico, relativas ao uso indevido de imagem e da discutível paternidade do argumento do filme “O Boto”, produzido pela LC Barreto.
No capítulo de apelo à violência física, que o repórter da “piauí” encara na matéria como uma tendência controlado do caráter de Barreto (“Se eu pudesse, dava um soco na cara desse sujeito”, confessa o chefão do cinema referindo-se ao diretor do Festival de Brasília, Fernando Adolfo, durante a confusa exibição de “Lula, o Filho do Brasil”), bastaria a consulta aos arquivos de “O Globo”, jornal em que Barretão goza do prestígio de “popstar”, para dirimir alguma dúvida: documentado em foto, o produtor agride a socos e pontapés, por motivos fúteis, no Cine Leblon (Rio), um indefeso e ensangüentado funcionário da Embrafilme.
Mas a “piauí” não parece interessada em focar o lado menos prosaico de “Dom Luiz”. Antes prefere informar aos desavisados leitores que Barreto “controlou a Embrafilme” e “inventou a renúncia fiscal” que hoje abastece de grana polpuda o sempre insolvente cinema brasileiro.
Na verdade Barreto - ex-integrante da “tropa de choque” do corpo de Fuzileiros Navais e ex-repórter fotográfico formado nos pântanos da revista “O Cruzeiro” - nunca controlou nada nem muito menos inventou coisa alguma. Ele foi, no máximo, um experto beneficiário do processo.
No histórico, ocorreu o seguinte: em 1974, Ernesto Geisel (general estatizante mais tarde endeusado pela facção PT-Geisel dentro da Petrobras), substituiu Garrastazu Médici na Presidência da República. Médici, que achava prematura a idéia da anistia política aventada por Geisel (e aliados), tinha feito um governo excepcional, liquidando as guerrilhas comunistas e incluindo 1/3 da população na vida econômica da nação.
No comando do poder, Geisel colocou o general Golbery do Couto e Silva na chefia da Casa Civil da Presidência da República, pois ambos eram integrantes da ominosa “Sorbonne”, um grupo ativista dentro do Exército brasileiro habituado a expedir manifestos e fazer declarações políticas. Geisel, como Glauber Rocha (por malandragem), achava que Golbery era o “gênio da raça”, mas o “Bruxo” (era assim reconhecido nos bastidores de Brasília), autor da chatíssima “Geopolítica do Brasil”, não passava de um teórico com elevado déficit de imaginação, que se julgava capaz de controlar os comunistas mesmo sabendo que a partir da Intentona Vermelha de 35 eles só pensavam em tomar o poder.
(Aqui, um lembrete: foi o “Bruxo” quem, com uma reforma partidária que se dizia “maquiavélica”, deu tratos à bola para a criação do PT de Lula, partido insuflado por intelectuais marxistas e apostatas da “Teologia da Libertação”).
No ofício de executivo do governo, sempre imperativo e categórico, Golbery patrocinou a nomeação de um antigo companheiro do Clube Militar, Ney Braga, para o Ministério da Educação e Cultura. Este, por sua vez, com o aval de Golbery, nomeou Manuel Diegues Jr. - pai do velhíssimo Cacá Diegues - para o cargo de diretor geral do Departamento Cultural do MEC, onde foi chefe de Amália Lucy, filha de Geisel (Lembram-se da composição do Chico "Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta"?)
Com Ney Braga e Diegues Jr. em mãos, o general Golbery partiu para o aliciamento de intelectuais e artistas tupiniquins, entre eles, os cineastas do Cinema Novo, todos ávidos pela grana fácil “manchada de sangue” (da ditadura). O “Bruxo”, que se sentia especialmente vulnerável às criticas desfechadas pela esquerda internacional ao “golpe de 64”, testou na área cultural o mecanismo da “descompressão da panela de pressão” para promover, em seguida, a abertura política - “lenta, gradual e segura” - que, conforme previu Médici, terminaria por colocar no poder as figuras de Brizola, Arraes, Zé Dirceu, Genoíno, Serra, o delirante Darcy Ribeiro e dezenas de terroristas e “mensaleiros” hoje no comando da nação corrompida.
(Me ocorreu agora que Golbery, pretenso filhote de Maquiavel, tal qual o guru florentino, era um “cavalo paraguaio” - nasceu para perder).
No âmbito do cinema, a primeira investida de Golbery foi patrocinar a criação do Concine e Centrocine, bem como a reformulação da Embrafilme, até então nas mãos de gente como Durval Gomes Garcia, Moniz Vianna, Meira Penna, Walter Graciosa e Carlos Guimarães de Mattos, tidos como de “direita”. Com a grana administrada pelo “Bruxo”, via ministérios e órgãos competentes, a Embrafilme passou a produzir e distribuir filmes, prioritariamente os da patota do Cinema Novo, ao tempo em que Glauber Rocha e companheiros, elogiando Geisel, Golbery e Figueiredo, passaram a ser encarados pela mídia e PCs internacionais (e, em plano interno, pelo “Pasquim”) como “vendidos” - o que de fato eram.
Bem, e Barreto neste rondó dobrado?
De início, subordinado à patota cinemanovista comandada por Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos (um stalinista antigo), ficou contra a criação da Embrafilme, entoando a cantilena de que a empresa era instrumento “paternalista e totalitário” do governo militar. (Em caso de dúvida, vide “Lanterna de Popa” - Roberto Campos, TopBooks, 1994; “Plano Geral do Cinema Brasileiro” - Geraldo Santos Pereira, Ed. Borsoi, 1973; e “Cinema Novo - Entrevista de Jarbas Barbosa à Silvia Ortiz”, Riofilme, 1993).
Mas, como previsto, com a abertura dos cofres da “ditadura” militar, ordenado pelo inconseqüente Golbery, em pouco tempo Barreto, lépido serviçal do poder em todas as instâncias, logo aderiu ao “paternalismo autoritário” da estatal do cinema. (No entanto, é bom registrar, não como homem de “controle” ou figura de primeiro plano, mas, sim, como um “lutador de rua”, no velho estilo de “O Cruzeiro” de Chateaubriand, se apegando a qualquer coisa ou representatividade corporativa em benefício próprio e da família cineasta, toda ela dependurada nos incentivos oficiais dispensados à atividade parasitária).
Foi justamente nesta fase “dourada”, entre 1974-1979, que Barreto assumiu postura de “tycoon” caboclo, produzindo filmes milionários para o filho de Diegues Jr., Cacá (“Bye Bye Brasil”), seu parceiro de “operações”, e para o próprio filho Bruno (“Dona Flor e Seus Dois Maridos”, pornochic azeitado na literatura-dendê de Jorge Amado e, segundo Alex Viany, crítico de cinema comunista, na “bunda de Sônia Braga”.
Quanto a “invenção da renúncia fiscal”, que a apressada “piauí” atribui à Barreto, pode-se assegurar que ela é absolutamente irreal. Sua paternidade pertence à produtora Xuxa que, no final dos anos 1989, depois de consulta à Andima - Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro -, articulou, via Comissão de Valores Mobiliários (Bolsa), a colocação de ações privilegiadas no mercado, objetivando a produção cinematográfica.
Antes, nos Estados Unidos, como estimulo fiscal para a indústria do cinema, foi criada pelo governo, de forma temporária, uma “Tax Shelter”, limitada a não-taxação do capital privado investido na produção de filme. Mas Ronald Reagan, ex-ator e ex-presidente do Sindicato de Atores de Hollywood, acabou com a festa ao assumir a Presidência e saber que ela estava sendo usada, não sei como, indevidamente.
Quando estive em Brasília à frente da Secretária Nacional da Cultura, inteiramente favorável à extinção da Embrafilme, empresa corrupta e corruptora, o produtor Barreto apareceu por lá. Afável, “boa praça”, tinha chegado de longa temporada em Nova Iorque, depois de ter vendido à Zé Sarney, em final de governo, a exibição de três filmes velhos na TV Educativa pela exagerada quantia de Cr$ 450 mil - escândalo que gerou reportagens na “Veja”, “IstoÉ” e no “Estatão”.
De início, por mero pretexto, Barreto aventou a hipótese de comprar o acervo da Embrafilme. Começou ali sua carreira de caixeiro-viajante do projeto anteriormente sacado pela produtora da Xuxa. Antes de sair do governo, em 1991, entreguei a Collor o Projeto de Lei nº. 5/91, a ser encaminhado ao Congresso Nacional, que tratava, seguindo o modelo americano, de isentar de encargos (tributos) a pessoa física ou jurídica que investisse grana viva, do próprio bolso, na produção cinematográfica.
(Soube, depois, que Collor tinha vetado as simbólicas isenções fiscais do projeto, no que, de resto, agiu bem).
Fica a pergunta: por que nos dias atuais a mídia cabocla passa por cima da realidade e corrompe os fatos de forma vil? Por que, por exemplo, um “homem de rua” como Luiz Carlos Barreto é considerado “o grande produtor do cinema nacional”, em detrimento de um Oswaldo Massaíni, Ademar Gonzaga ou Herbert Richers, que nos deram a Palma de Ouro, estúdios bem equipados e mais de uma centena de filmes sem um centavo do governo, entre eles, obras louvadas como “Vidas Secas” e “Assalto ao Trem Pagador”?
Resposta: por pura e simples deformação ideológica: no Brasil, a mídia cultural e o que se tem por “formadores de opinião” tornaram-se, com exceções contadas a dedo, instrumento de sustentação do pensamento único comprometido com o totalitarismo “gauche”. E não fica por aí: os tipos que “ensinam” jornalismo nas escolas de comunicação, em geral marxistas camuflados, só pensam em criar, a todo custo, “agentes da causa”. De fato, eles não formam jornalistas, mas, sim, militantes.
No entanto, a despeito da mídia amestrada, devo assegurar que a produção milionária de “Lula, o Filho do Brasil” reservou ao produtor Barreto posição histórica singular: com ele, o cinema tupiniquim entrou, afinal, na era da propaganda oficial a serviço da política eleitoral - uma aspiração antiga do velho Cinema Novo. Agora mesmo, neste crucial 2010, depois do fracasso inquestionável de seu filme, mas com a grana fácil dos subsídios oficiais, o ladino produtor prepara-se para montar uma caravana fabulosa e exibi-lo em “grande parte de 90% dos municípios brasileiros que não têm cinema” - vale dizer, num continente.
Se me permitem, parece que há um obstáculo temerário nesta nova investida de Barreto: como sua peça de propaganda vem sendo considerada chatíssima, o público, mesmo simplório, pode não gostar. Ainda que não pague um centavo para assisti-la.
PS - Ah, ia esquecendo: a “piauí” repassa ao leitor a explicação de que o “modus operandi” de Barreto é idêntico ao de Al Capone (citando Rosselini, via o próprio Barretão). Mas a revista, ambígua, não esclarece que Capone, gangster execrável, foi preso em Alcatraz por sonegação de impostos e, ao sair da cadeia, sifilítico, morreu em Palm Beach, Flórida, em 1947.
Ao contrário de Barreto, estava completamente arruinado.
Um comentário:
Esta produção cretina sôbre a vida de um oportunista, que na primeira oportunidade, pulou do barco da ideologia esquerdista, prá se refastelar nos banquetes da corrupção, do dinheiro fácil, pode crer, Dimas, serviu prá acabar também com com os Barreto's; não falo só do filme chato e empacado, sem nenhum atrativo, por tudo o que eu ouvi, mas da forma como foi concebido e prá quê. Para o povão de Lula, tanto faz, já que não teem por hábito frequentar as salas de cinema, mas para os admiradores da sétima arte, Baretão já não fará mais uma grande figura. Por dinheiro, NOSSO DINHEIRO, vendeu até a sua dignidade, participando dessa armação que, felizmente, não deu certo.
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