Cena de "Inverno
da Alma", com a atriz Jennifer Lawrence
Foto: Divulgação
Ao apresentar aos leitores uma breve e inspiradora lista de filmes 'conservadores', é preciso deixar claro o terreno em que pisamos. Não é uma boa ideia enxergar nas obras de arte apenas intenções políticas e ideológicas: ao contrário, reduzir ou julgar um filme a partir de suas características ideológicas é um ato de castração imaginativa. Para evitar tal absurdo, eis alguns esclarecimentos necessários.
O primeiro deles é definir o que
entendemos ser esse tal 'conservadorismo'. Aqui, não buscamos enxergar ou
transformar o conservadorismo em uma espécie de ideologia, manual ético ou político
de ação, mas falamos daquela visão do conservadorismo como uma 'disposição' ou
um 'temperamento', sejam estes frutos de escolhas pessoais ou apenas algo que
surge naturalmente. O que importa é que todos a temos, em maior ou menor grau,
mais ou menos conscientemente.
Podemos apresentar essa disposição
conservadora, que já foi definida com maestria por autores como Michael
Oakshott, como sendo aquilo que nos faz escolher o familiar ao desconhecido; que
nos leva a compreender que a sociedade em que se nasce, cresce e vive, carrega
valores, ideias, instituições, crenças, e até uma gramática - essencial para
que tenhamos uma comunicação verdadeira -, que merecem ser preservados,
cultivados. O conservador será aquele que, ao tomar consciência desta situação,
irá se preocupar com a conservação, com a proteção dessa "herança" ou desses "arranjos"
que fazem uma sociedade; e, ainda mais importante, será aquele que perceberá quais
arranjos são insuficientes e buscará reformá-los, cuidará deles como se cultiva
um jardim.
Podemos afirmar que - com nuances
sempre locais, pessoais até - toda sociedade é conservadora, busca um
ordenamento, possui crenças e senso estético. E mais ainda, toda sociedade
busca respeitar aquilo que Isaiah Berlin chama de 'fronteiras da humanidade'.
O conservador será aquele que
entende também que somos imperfeitos - intelectualmente imperfeitos -, e que é pretensão
querer controlar todos os fenômenos sociais, querer determinar todas as relações
humanas e querer controlar através de uma planilha de Excel todas as infinitas
possibilidades de nossas vidas. A postura do pensamento conservador com relação
à política é essencialmente cética.
Mas, para que não sejamos empurrados
para um pessimismo cultural, devemos lembrar também que os conservadores têm
uma arraigada percepção de que somos frutos de uma parceria, "uma parceria não
só entre aqueles que estão vivos, mas entre aqueles que estão mortos e aqueles
que vão nascer". E que também carregamos em nós possibilidades para o bem e
para o mal, para a caridade e para o ressentimento, para a magnanimidade e para
a mesquinharia - e que nossas escolhas e atos importam mais que nossas intenções.
Essa sabedoria e esses valores são a principal herança que recebemos de nossos
antepassados, e legamos aos nossos descendentes. E essa herança está depositada
em nossa imaginação moral.
A imaginação moral
Antes de prosseguir, precisamos
diferenciar a imaginação moral do discurso moralista. A primeira é expressa não
apenas através de exemplos de virtude, beleza e heroísmo, mas também explora
nossas fraquezas, nossa estupidez, nossos medos e demônios. Por isso, ao
olharmos para uma obra de arte, devemos lembrar que nenhuma é moralmente boa ou
má; se há algum efeito moral - remeto-me aqui a Northrop Frye -, ele depende
inteiramente da qualidade moral do leitor, do espectador. Filmes, romances,
pinturas, quadrinhos, e outras formas de arte só podem ser bons ou maus dentro
de suas próprias categorias, isto é, dentro das regras estéticas que imperam na
sua área. Escusado reforçar que tais regras existem para serem respeitadas, mas
também, refutadas, reinventadas, pois uma obra de arte deve possuir e
reconhecer apenas a sua própria verdade, que se quer eterna.
Se a arte se presta a um papel ético
ou político, ela já não é arte, mas está muito mais próxima da propaganda - e,
pior, da propaganda ideológica. Conforme nos lembra Gregory Wolfe: "A arte não
trabalha mediante proposições, mas por meio indiretos, utilizados pela imaginação."
A arte educa a imaginação (mais uma
vez, um termo de Frye), assim libertando-a. A imaginação é uma das formas mais
puras de liberdade. Uma imaginação liberta, eis o melhor dos alimentos para
nosso espírito.
Conforme o avanço e a popularização
do cinema, que se deu ao longo do século XX, podemos enxergar na arte do
cinematógrafo um novo e rico campo da imaginação. Hoje, os filmes movem e
comovem as pessoas, atiçam seus sentidos. Nos fazem mergulhar em reflexões
profundas, nos angustiam e nos encantam, nos fazem rir ou chorar - e é graças
ao cinema que experienciamos muitas vezes aquele sentimento catártico, comunal,
que cauteriza os traumas de uma sociedade. O cinema nos faz livres, nem que
seja por mais ou menos duas horas.
É nesse espírito que fazemos cá estas
indicações de filmes, buscando não a sua aparente narrativa ideológica, ou
mesmo os desvios políticos de seus autores, mas buscando enxergar nas obras
aquilo que se quer permanente, aquilo que ultrapassa as intenções mesmas de
seus criadores, pois a Arte, como fruto da Graça, é sempre imprevisível e sopra
onde quer. E acreditem: isso acontece mais do que imaginam nossos ideólogos de
plantão, os quais, espero, hão de se surpreender com algumas das películas
indicadas.
Os filmes
Shane - Os Brutos Também Amam
Diretor: George Stevens
Ano: 1953
Por que é conservador: Um dos mais
influentes westerns da história, o filme de George Stevens apresenta Shane, o
cowboy a reencarnar a mitologia do cavaleiro medieval, o qual carrega em si as
virtudes fundadoras de uma nova vida, virtudes essas moldadas pela violência de
caminhos passados e pela busca de redenção através da proteção dos inocentes.
Sindicato de Ladrões
Diretor: Elia Kazan
Ano: 1954
Por que é conservador: Um dos
maiores clássicos da história do cinema, 'Sindicato de Ladrões' é um mergulho
na podridão dos sindicatos e das máfias que tomam de assalto a consciência dos
Homens; e Terry Malloy (Marlon Brando) irá resgatar a sua, mesmo que isso
signifique perder tudo. Elia Kazan fez um clássico sobre a consciência
individual, e o beautiful people hollywoodiano nunca o perdoou por isso.
Bronco
Billy
Diretor:
Clint Eastwood
Ano:
1980
Por que é conservador: Um dos mais
simpáticos e singelos filmes do lendário diretor americano, Bronco Billy é uma
ode à família, às amizades, à imaginação e ao espírito comunal, que sustentam
uma nação. É das mais belas encarnações em celulóide da ideia de Edmund Burke
dos 'pequenos pelotões'.
Excalibur
Diretor:
John Boorman
Ano:
1981
Por que é conservador: Uma das versões
mais estilizadas e belas da saga do Rei Arthur, Excalibur é uma obra que
explora como poucas as sombras e luzes da lenda. Honra, perdição, amor e fé em
uma narrativa épica, operística, majestosa. Até hoje insuperável, tendo apenas
a versão de Robert Bresson, 'Lancelot Du Lac', a ombrear com o filme de Boorman.
Os Gritos do Silêncio
Diretor: Roland Joffé
Ano: 1984
Por que é conservador: Ao retratar
um dos episódios mais devastadores da história da humanidade, o genocídio
cambojano, Roland Joffé não se limita a uma narrativa dos horrores do
comunismo, ele está aqui mais preocupado em nos mostrar que mesmo diante dos maiores
pesadelos, somos capazes de escolhas, de decidir como encaramos nosso destino.
O Rei Leão
Diretor: Rob Minkoff, Roger Allers
Ano: 1994
Por que é conservador: A animação da
Disney, inspirada diretamente nas peças shakespearianas, é um dos mais belos
retratos da formação moral de um jovem príncipe, que após um trágico evento,
precisa se tornar digno de sua herança para assim ter direito a seu legado, um
legado de serviço a seus súditos.
Toy
Story
Diretor:
John Lasseter
Ano:
1995
Por que é conservador: Toy Story
entra nessa lista não apenas como filme isolado, mas como representante das
animações da Pixar, que em todos os seus filmes explora temas caros ao
temperamento conservador: a importância da família e das amizades, a busca de
equilíbrio entre sociedade e indivíduo, a superação de desafios mediante
escolhas morais, e last but not least, a importância da imaginação em um mundo
sem coração.
Seven
Diretor: David Fincher
Ano: 1995
Por que é conservador: O suspense de
David Fincher explora a fundo o problema do mal e de como ele se instala e corrói
o coração dos homens. Tudo isso através de uma magistral reinterpretação dos
pecados capitais para nossos tempos modernos.
Ou Tudo ou Nada (The Full Monty)
Diretor: Peter Cattaneo
Ano: 1997
Por que é conservador: Um filme que
retrata o cotidiano de desempregados ingleses e sua luta para sair da dependência
do Estado. Não apenas um libelo pela independência financeira, mas também um
olhar delicado e bem humorado sobre os desafios paternos em uma sociedade
fragilizada pelo desemprego e pela falta de sentido da vida.
De Olhos Bem Fechados
Diretor: Stanley Kubrick
Ano: 1999
Por que é conservador: Com esta
adaptação da obra de Arthur Schnitzler 'Breve Romance de Sonho', Kubrick
realizou sua obra mais ousada e desafiadora. Ao explorar os desejos obscuros de
um casal novaiorquino, o diretor faz uma ode ao matrimônio e à felicidade
conjugal, e mostra que as sombras que permeiam nossas vidas só podem ser
afastadas com o perdão e o amor.
Cidade de Deus
Diretor: Fernando Meirelles
Ano: 2002
Por que é conservador: O filme que
retrata o nascimento do tráfico e da criminalidade brutal na favela Cidade de
Deus é um dos mais fiéis retratos do problema da violência no nosso país. Sem
apelar para desculpas sociológicas ou vitimismos sociais, Fernando Meirelles
acompanha a história de três jovens da periferia do Rio de Janeiro, suas
escolhas e destinos. Se a maioria de nós lembra mais de Zé Pequeno do que do
Buscapé, isso fala mais sobre nós do que sobre o filme.
Os Donos da Noite
Diretor: James Gray
Ano: 2007
Por que é conservador: A história de
dois filhos que ao seguirem caminhos diferentes terminam por superar suas
desavenças para resgatar sua comunidade, fragilizada pelo crime e pelo tráfico.
O Profeta
Diretor: Jacques Audiard
Ano: 2009
Por que é conservador: Ao retratar a
ascensão de um pequeno criminoso dentro de uma prisão francesa, Audiard tece
uma trama que nos choca pela sua crueza e realismo trágico.
Inverno da Alma
Diretora: Debra Granik
Ano: 2010
Por que é conservador: Antes de se
tornar uma estrela hollywoodiana, Jennifer Lawrence protagonizou este pequeno
filme, no qual interpreta a filha de um traficante de drogas que precisa
corrigir os erros do pai para salvar sua família.
Tudo Pelo Poder
Direção: George Clooney
Ano: 2011
Por que é conservador: E quem diria
que o melhor filme político desta lista seria de George Clooney? O queridinho
da beautiful people hollywoodiana dirige e protagoniza esta obra que é uma
verdadeira aula sobre o caráter da política moderna, suas intrigas e mentiras,
suas artimanhas e falcatruas. Com um olhar realmente cético para a política,
Clooney nem precisou usar os republicanos para provar seu ponto: os canalhas
aqui são todos democratas!
A Perseguição
Diretor: Joe Carnahan
Ano: 2011
Por que é conservador: Um filme de ação
como poucos, 'A Perseguição' vai gradualmente revelando suas intenções: mostra-nos
especialmente como, mesmo diante de nosso destino final, ainda podemos escolher
como nos comportaremos, ainda podemos dar um sentido ao trágico - ainda que
apenas aos olhos de Deus.
Alabama Monroe
Diretor: Felix Van Groeningen
Ano: 2012
Por que é conservador: Um filme que
por trás de sua aura alternativa, retrata um dos mais profundos dramas da condição
humana: a morte dos inocentes. A partir disso, a narrativa vai nos lançando em
uma espiral de beleza e dor que termina com uma pergunta crucial: haverá uma
alma eterna nestes nossos corpos alquebrados?
Marcados Para Morrer
Diretor: David Ayer
Ano: 2012
Por que é conservador: David Ayer
entrega um filme que não deixa pedra sobre pedra. Ao nos lançar na rotina de
dois policiais a patrulhar as ruas de Los Angeles, ele nos mostra a corrosão
causada pela brutalidade epidêmica e mimética. E ao descortinar a violência que
sustenta nossa civilidade, ele mostra como essa hostilidade deve ser
ritualizada para assim perder seu poder de contaminação.
O Conselheiro do Crime
Diretor: Ridley Scott
Ano: 2013
Por que é conservador: Ridley Scott
faz seu melhor filme em décadas. Baseado em um roteiro do romancista Cormac
McCarthy, expõe as mazelas da ganância humana, e de como ela corrompe homens,
mulheres, famílias e, enfim, a sociedade à nossa volta.
Kingsman - Serviço Secreto
Diretor: Matthew Vaughn
Ano: 2014
Por que é conservador: Uma agência
secreta do governo britânico que tem como missão proteger o mundo dos totalitários
malucos que querem remoldar o mundo à sua imagem e semelhança. Mais ainda, uma
lição em elegância, humor refinado e a medieva lição: os modos fazem o homem!
Homem Irracional
Diretor: Woody Allen
Ano: 2015
Por que é conservador: Uma das
grandes tentações do intelectual - não importa qual seja seu espectro político -
é passar a enxergar o mundo como ele imagina que seja, não como ele realmente é.
Neste filme de Woody Allen, temos um mergulho nas tentações e nos perigos do ‘mundo
como ideia’.
Fonte: “Gazeta do Povo”
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