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domingo, 31 de dezembro de 2017

"Até intelectuais franceses acham demais prefeita celebrar Che"




Bravo, ainda existe noção de decência e exposição na prefeitura de Paris cheia de antiquado deslumbramento leva lambadas da elite do pensamento

Por Vilma Gryzinski




Como na São Bernardo dos velhos tempos, Anne Hidalgo, a prefeita de Paris que entrou para a lista das cinco personalidades políticas mais odiadas do país, resolveu botar a boina na cabeça e babar ovo para Che Guevara.
Há uns vinte ou trinta anos atrás, até que passaria, principalmente entre o pessoal que não quer cultivar inimigos e muito menos polêmicas nos círculos frequentados pelo "tout le monde", as elites políticas e intelectuais que vão aos mesmos lugares e sugam nas mesmas fontes de infinitas benesses.
"A capital presta homenagem a uma figura da revolução que se tornou ícone militante e romântico", escreveu alguém que ama clichês, talvez até a própria prefeita.
A paixão pelo lugar comum trabalhou em dobro diante da saraivada de críticas e Anne Hidalgo mandou dizer que era tudinho culpa da "instrumentalização da direita". Além do mais, "Ela não diz que ele é um ícone do romantismo, mas que se tornou um ícone do romantismo", escreveu uma porta-voz. Valha-nos os santos protetores da embromação.
Saindo da vanguarda do atraso, a triste posição a que tantos intelectuais franceses se relegaram, muitos desceram a língua na prefeita.
Luc Ferry, ensaísta, filósofo e ex-ministro da Educação do governo Sarkozy (além de ex-namorado de Carla Bruni), quase sufocou na pashmina.
"Anne Hidalgo celebra o romantismo do Che, um crápula sanguinário que torturou e matou pessoalmente 130 infelizes no campo de concentração e tortura que dirigia. Quando é que vamos ver uma homenagem a Pol Pot, Beria e Mao?", tuitou.
"As vítimas do Che contam alguma coisa em relação a uma homenagem a seu carrasco?", perguntou Raphaël Enthoven, escritor, professor de filosofia e apresentador de um programa cabeça no canal ARTE (e ex-namorado de Carla Bruni, além de pai do filho mais velho dela, Aurélien, de 16 anos).
"É estonteante ler da parte de uma dirigente democrata que o Che é uma figura romântica. Trata-se de um homem que matou em nome de uma ideologia liberticida. Que romantismo tem nisso?", perguntou o  jornalista Jean-Michel Aphatie, que é do Partido Socialista, o mesmo da prefeita.
A Síndrome de Havana, que mantém seres humanos decentes em estado de negação há avançados 58 anos sobre a natureza da ditadura cubana, pode até ser relevada entre os inocentes inconsequentes, mas não entre os que têm obrigação não só de ser informados como de informar.
Se não fosse bonito em vida e, na morte, retratado como um tragicamente belo Cristo renascentista, Che teria muito menos fãs apaixonados. Sem contar que todas as ditaduras de direita que ajudaram a insuflar convicções de esquerda entre várias gerações acabaram há muito tempo. Só Raúl Castro ainda está, aos 86 anos, empurrando a aposentadoria e o ridículo com a barriga.
Anne Hidalgo, filha de espanhóis refugiados da ditadura franquista, certamente tem suas ilusões, como tantos outros. Mas não o direito de propagar uma enganação.
Apesar da administração desastrosa em vários aspectos, em grande parte pela obsessão esquerdista de tratar donos de carros como criminosos, Anne, nascida Ana María, tem razoáveis perspectivas políticas.
Ficar à esquerda dentro do Partido Socialista é uma de suas estratégias. Nenhum dirigente do partido quer ser identificado com o governo insosso de François Hollande. Por sorte, já se foi o tempo da boataria de que Hollande era o pai do filho mais novo de Anne Hidalgo.
A prefeita é casada com Jean-Marc Germain, seu segundo marido e pai do rapaz. Como prefeita de Paris, tem uma plataforma para ambições mais altas, como a presidência. Quem sabe um dia não acabe convidando o presidente Raúl Castro para um encontro de cúpula?
Fonte: "Veja"

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