Por
Marco Antonio Villa
O Ministério da Educação está preparando uma
Revolução Cultural que transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo, quase
um "reacionário burguês." Sob o disfarce de "consulta pública", pretende até
junho "aprovar" uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental e
médio - antigos primeiro e segundo graus. Nem a União Soviética teve coragem de
fazer uma mudança tão drástica como a "Base Nacional Comum Curricular."
No caso do ensino de História, é um duro
golpe. Mais ainda: é um crime de lesa-pátria. Vou comentar somente o currículo
de História do ensino médio. Foi simplesmente suprimida a História Antiga.
Seguindo a vontade dos comissários-educadores do PT, não teremos mais nenhuma
aula que trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da herança greco-latina os nossos
alunos nada saberão. A filosofia grega para que serve? E a democracia
ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o nascimento do
cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que são essenciais
à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição.
Mas os
comissários-educadores - e sua sanha anticivilizatória - odeiam também a
História Medieval. Afinal, são dez séculos inúteis, presumo. Toda a expansão do
cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental, o mundo islâmico, as
Cruzadas, as transformações econômico-políticas, especialmente a partir do
século XI, são desprezadas. O Renascimento - em todas as suas variações - foi
simplesmente ignorado. Parece mentira, mas, infelizmente, não é. Mas tem mais:
a Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução
Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII.
O apagamento da
História, ao estilo Ministério da Verdade de "1984," não perdoou a história dos
Estados Unidos - neste caso, abriu exceção somente para a região onde esteve
presente a escravidão. Do século XIX europeu, tudo foi jogado na lata de lixo:
as unificações alemã e italiana, as revoluções - como a de 1848 -, os dilemas
político-ideológicos, as mudanças econômicas, entre outros temas clássicos e
indispensáveis à nossa História.
Os policiais da
verdade não perdoaram também a História do Brasil. Os movimentos
pré-independentistas - como as Conjurações Mineira e Baiana - não existiram, ao
menos no novo currículo. As transformações do século XIX, a economia cafeeira,
a transição para a industrialização foram desconsideradas, assim como a relação
entre as diversas constituições e o momento histórico do país, isto só para
ficar em alguns exemplos.
Mas, afinal, o que os
alunos vão estudar? No primeiro ano, "mundos ameríndio, africanos e
afro-brasileiros." Qual objetivo? "Analisar a pluralidade de concepções
históricas e cosmológicas de povos africanos, europeus e indígenas relacionados
a memórias, mitologias, tradições orais e a outras formas de conhecimento e de
transmissão de conhecimento." E também: "interpretar os movimentos sociais
negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre
esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações, do século XIX
ao século XXI." Sem esquecer de "valorizar e promover o respeito às culturas
africanas, afro-americanas (povos negros das Américas Central e do Sul) e
afro-brasileiras, percebendo os diferentes sentidos, significados e
representações de ser africano e ser afrobrasileiro."
No segundo ano - quase uma repetição do primeiro - o estudo é sobre os "mundos americanos." Objetivo: "analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas das
sociedades ameríndias a memórias, mitologias, tradições e outras formas de
construção e transmissão de conhecimento, tais como as cosmogonias inca, maia,
tupi e jê." Ao imperialismo americano, claro, é dado um destaque especial. Como
contraponto, devem ser estudadas as Revoluções Boliviana e Cubana; sim, são
exemplos de democracia. E, no caso das ditaduras, a sugestão é analisar o Chile
de Pinochet - de Cuba, nem tchum.
No terceiro ano,
chegamos aos "mundos europeus e asiáticos." Se a Guerra Fria foi ignorada, não
foi deixado de lado o estudo da migração japonesa para o Paraguai na primeira
metade do século XX (?). O panfletarismo fica escancarado quando pretende "problematizar as juventudes, discutindo massificação cultural, consumo e
pertencimentos em diversos espaços no Brasil e nos mundos europeus e asiáticos
nos séculos XX e XXI." Ou quando propõe "relacionar as sociedades civis e os
movimentos sociais aos processos de participação política nos mundos europeus e
asiáticos, nos séculos XX e XXI, comparando-os com o Brasil contemporâneo."
Quem assina o
documento é o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, um especialista
brasileiro em Thomas Hobbes. Porém, Hobbes ou o momento em que viveu (o século
XVII inglês) são absolutamente ignorados pelos comissários-educadores. Para
eles, de nada vale conhecer Hobbes, Locke, Platão, Montesquieu, Tocqueville,
Maquiavel, Rousseau ou Sócrates. São pensadores do mundo europeu. O que importa
são as histórias ameríndias, africanas e afro-brasileiras.
O documento está
recheado de equívocos, exemplos estapafúrdios, de panfletarismo barato, de
desconhecimento da História. Os programas dos cursos universitários de História
foram jogados na lata de lixo e há um evidente descompasso com a nossa produção
historiográfica. A proposta é um culto à ignorância. Nenhuma democracia no
mundo ocidental tem um currículo como esse. Qual foi a inspiração? A Bolívia de
Morales? A Venezuela de Chávez? A Cuba de Castro? Ou Lula, aquele que dissertou
sobre a passagem de Napoleão Bonaparte pela China?
Fonte: "O Globo"
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