Por Reinaldo Azevedo
Pronto! Joaquim Barbosa está fora do Supremo Tribunal Federal.
Ainda que o tenha feito por vontade e determinação pessoal, muita gente suspira
aliviada, nem tanto porque se sentisse ameaçada por ele - não havia como
ameaçar ninguém -, mas porque se sentia traída. Assim: a gritaria contra
Barbosa - não a crítica justa, que pode ser feita - corresponde a uma algaravia
de interesses contrariados e a ódios que traduzem nada mais do que má
consciência. Então vamos ver.
O meu blog existe há oito anos. O arquivo está disponível a quem
queira consultá-lo. Nunca fui e não sou um fã nem do estilo nem de algumas
ideias de Joaquim Barbosa. Acho que seu temperamento um tanto irascível o
atrapalhou - e à necessária harmonia dos trabalhos no Tribunal - mais de uma
vez. Ele cultiva certa intolerância pessoal com a divergência, e já o vi
repelir com acidez até argumentos que concorriam para a sua tese porque nem
sempre é um ouvinte prudente. Não concordo também, e já evidenciei isso aqui,
com algumas de suas teses sobre racismo - o que, e não me sinto obrigado a
provar, nada tem a ver com a cor da sua pela e a da minha.
Mas esperem aí: a gritaria que se armou contra Barbosa se deveu a
seu temperamento? Ou ao eventual descumprimento de rituais processuais ou mesmo
ao entendimento prejudicado desse ou daquele princípios? Uma ova! A máquina de
desqualificação montada pelo petismo e por outros setores da esquerda o atacou
em razão de suas virtudes, não de seus eventuais defeitos. É mentira que o
julgamento do mensalão tenha recorrido a instrumentos de exceção. É mentira que
tenha sido ele - e nem poderia - a manipular tais instrumentos. É mentira que
se tenha usado com petistas uma régua e uma conjunto de regras particulares.
Isso tudo é obra da guerra política mais rasteira.
Se Lula, no passado, indicou ou não Joaquim Barbosa porque decidiu
exercer a seu modo uma política de cotas, isso não é de responsabilidade do
ministro. O fato é que os petistas tentaram - e um mensaleiro chegou a
vocalizar isto - cobrar do então ministro uma espécie de dívida. Já que Lula
teria levado o primeiro negro para o Supremo (é mentira: antes, houve Pedro
Lessa e Hermenegildo de Barros), que este então lhe fosse grato, votando
conforme as vontades e as necessidades do PT. E, como é sabido, Barbosa não
caiu no truque. O ex-deputado João Paulo Cunha, o mensaleiro condenado, não teve
vergonha nenhuma de dizer publicamente: "Barbosa chegou ao Supremo porque era
compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da injustiça histórica
com os negros".
Entenderam a alma profunda de um petista? Já que Lula levou um
negro para o Supremo, a melhor maneira que esse negro tem de demonstrar que é
livre é violando a sua própria consciência para ser grato a quem o indicou. É
espantoso que algo assim tenha sido dito. E foi. Nos bastidores, então, o
inconformismo dos companheiros com Barbosa, cujo nome sempre vem associado a
palavrões que não se dizem nem em estádios e a acusações de traição, chega a
ser patológico. Não por acaso, ele se tornou o principal alvo do que chamo "Al
Qaeda Eletrônica" - as milícias petistas que atuam nas redes sociais.
Curiosamente, quando os petistas cantavam as glórias de Barbosa -
consultem os arquivos; isso aconteceu -, eles o faziam porque tinham grande
apreço por seus defeitos. Quando passaram a demonizá-lo, tinham ódio de suas
virtudes.
Assim, tudo somado e subtraído, com agravantes e atenuantes (para
fazer uma blague…), o saldo da passagem de Barbosa pelo Supremo lhe é
amplamente favorável e também ao país. Num dado momento, uma poderosa
coordenação de forças atuou de modo deliberado para desmoralizar o Supremo e o
Judiciário como um todo, alvos permanentes de correntes autoritárias que estão
no poder em vários países da América Latina.
Lula é hoje um desafeto pessoal de Barbosa porque descobriu que
este acabou se tornando o homem certo, no lugar certo e no momento certo -
sempre levando em conta os interesses do país, não os do próprio Lula e do PT.
O tempo dirá que não conseguiremos dizer o mesmo de muito engomadinho de fala
mansa. Arroubos de temperamento podem ser controlados. Rombos de caráter não
têm cura. Joaquim Barbosa fez o seu trabalho com dignidade.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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