Por Merval Pereira,
Reescrever a História é um
hábito dos políticos que estão no poder, teimando em fazer valer suas versões
sobre o realmente acontecido, especialmente em época de eleição. O
ex-presidente Lula é um perito nessa manipulação da História recente, sem se
dar conta de que o registro dos fatos, hoje, é bem mais fácil de se
fazer.
A agressão verbal sofrida
pela presidente Dilma no Itaquerão, deplorável por todas as razões, está sendo
usada de maneira desabrida pelo PT e por seus aliados para uma manobra
política, como se fosse agressão à mulher e mãe de família, quando em nenhum
momento essas condições estiveram em jogo. Ou então à instituição da
Presidência da República, o que é uma bobagem.
O próprio Lula, na eleição
de 1989, chamava o então presidente Sarney de ladrão, e depois também o
presidente eleito Fernando Collor, que também xingou Sarney. O fato de os três
hoje serem do mesmo grupo político diz bem sobre o tipo de política que
praticam.
No episódio atual, a
presidente Dilma passou a ser tratada como uma senhora frágil e desacostumada a
essa linguagem, quando ela própria já demonstrou, em reuniões com ministros e
empresários, que sabe lidar com esse tipo de problema. Que o digam os ministros
que já saíram chorando de seu gabinete depois de uma boa espinafração.
Lula, então, já tem
registrado o seu hábito de falar palavrões em situações de diversos tipos,
bastando ler o excelente livro "Viagens Com o Presidente", dos jornalistas
Eduardo Scolese e Leonencio Nossa.
Outra releitura é a defesa
da tese de que o PSDB tentou um golpe em 2005 para tirar Lula do Palácio do
Planalto. O PT, por experiência própria, sabe que corre o risco de perder a
eleição de outubro, principalmente devido à inflação, e por isso Lula está
inquieto, inventando fantasmas.
Revelei em uma coluna de
2008 que relembro agora que, na crise política de 2005 desencadeada pelo
mensalão, o que abalava o presidente não era propriamente a crise em si, mas saber
que a situação econômica não estava melhorando: a inflação, de 5,69%, embora em
queda, continuava alta, e o PIB crescera apenas 2,3% naquele ano, ficando à
frente apenas do Haiti na região.
Temos hoje uma inflação que
deve estar chegando ao teto da meta de 6,5% na época da eleição, e um
crescimento da economia em torno de 1%. Quando, naquele momento delicado de
2005, analisava-se a hipótese de o presidente Lula não concorrer à reeleição,
os petistas menos realistas que o rei, como agora, acusavam a "mídia golpista"
de trabalhar contra o governo.
O atual ministro Gilberto
Carvalho, então secretário particular de Lula, revelou em uma entrevista que a
hipótese foi longamente cogitada pela cúpula do governo, que considerava,
inclusive, que o impeachment de Lula poderia acontecer. Os então ministros
Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos chegaram certa noite a sugerir ao
presidente Lula que fizesse um acordo com a oposição: em troca de poder cumprir
todo o seu mandato, abriria mão da reeleição.
Esse desfecho só não se deu
porque, de um lado, Lula em nenhum momento perdeu o controle da situação,
segundo o relato de Gilberto Carvalho - embora na ocasião houvesse informações
de que o presidente tinha fases de bastante depressão -, mas também porque a
oposição temeu uma reação dos chamados "movimentos sociais".
Difundiu-se a imagem, feita
pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que havia o perigo de se criar
um "Getulio vivo" com a deposição de Lula, e seria melhor deixá-lo "sangrando"
até o fim do governo. Não se sabe se a avaliação de que a deposição de Lula
provocaria uma revolta popular estava correta, mas, pelo relato de Gilberto
Carvalho, essa hipótese não era levada muito a sério pela cúpula do governo.
Por outro lado, Lula, em
vez de "sangrar em praça pública", recuperou o fôlego, graças à queda da
inflação, reduzida para 3,14% em 2006, e a economia melhorou um pouco, com o
PIB crescendo 2,9% naquele ano de eleição, permitindo que Lula acenasse com
anos melhores, que se concretizaram em 2007, com o PIB crescendo 5,4%.
Mas a inflação dava sinais
naquele ano de 2007 de que não estava controlada, ficando em 4,5%, índice que,
embora estivesse dentro das previsões do governo, era maior que o do ano
anterior. A presidente Dilma não terá tempo para recuperar a economia neste
ano, e essa é a principal ameaça à sua reeleição.
Fonte: "O Globo"
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