Por
Reinaldo Azevedo
A presidente Dilma Rousseff participou, nesta sexta, da
inauguração da primeira etapa do Expresso DF, obra construída com recursos
federais. Referiu-se às vaias e aos xingamentos de que foi alvo na quinta, no
Itaquerão, no jogo inaugural da Copa do Mundo: "Não são xingamentos que vão me
intimidar, atemorizar. Não me abaterei". Só para lembrar: no roteiro traçado
pré-junho do ano passado, a presidente faria um discurso abrindo a competição.
Na imaginação petista, seria o momento da consagração. A Copa deveria ser uma
espécie de resultado antecipado da eleição de outubro, com a oposição
aniquilada. Bem, hoje, a presidente está sitiada em seu Palácio e só consegue
falar a plateias rigidamente controladas, como a que a ouviu nesta sexta. Vamos
pôr os pingos nos is.
Ninguém está tentando intimidar a presidente da República. Isso é
pura retórica oca. Por que alguém o faria? Se intimidação há, ela parte
justamente do poder; se há um esforço de calar o outro, ele deriva do Palácio
do Planalto. Dilma teve o topete de recorrer à Rede Nacional de Rádio e
Televisão, dois dias antes do jogo de abertura da Copa, e não apenas para
saudar a realização do evento no Brasil. Fosse só isso, vá lá… Ocupou, de modo
autoritário e despropositado, um bem público para responder a críticos e
adversários políticos - assim, mesmo, no plural -, que, no entanto, não gozam
da mesma licença. Ora, encarasse, então, os microfones no estádio. Mas isso não
teve coragem de fazer!
Nesta sexta, a presidente, mais uma vez, voltou a fazer uma alusão
ao período em que ficou presa, quando teria sido torturada: "O povo brasileiro
não pensa assim e, sobretudo, o povo brasileiro não se sente da forma como
esses xingamentos expressam. O povo brasileiro é civilizado e extremamente
generoso e educado. Podem contar que isso não me enfraquece. Podem contar. (…)
Não suportei apenas agressões verbais. Foram agressões físicas quase
insuportáveis, e nada me tirou do meu rumo. Nada tirou de mim os compromissos
que assumi ou os caminhos que tracei para mim". É uma péssima e lastimável
maneira de responder às vaias e aos xingamentos por várias razões, distintas e
combinadas. Vamos a elas.
Em primeiríssimo lugar, se Dilma foi torturada, quem a torturou
foram os marginais da ditadura. Aquele som que se ouviu no Itaquerão, ainda que
desagradável - e, pessoalmente, não acho que xingamentos sejam uma boa maneira
de expressar descontentamento -, vieram a público na vigência da democracia.
Assim, cumpre que a agora presidente tenha compostura e não misture alhos com
bugalhos. Considerar que a vaia pode ser uma etapa da tortura é evidência de
confusão mental. De resto, a tortura não torna certo quem está errado nem
errado quem está certo.
Em segundo lugar, não existe esse "o povo brasileiro", como quer a
presidente. Existem povos brasileiros. Deem-me uma boa razão para tentar cassar
o crachá de "povo" de quem protesta e xinga. Então seria "povo de verdade"
apenas quem aplaude e cai de joelhos diante do poder? Ora, presidente…
Em terceiro lugar, a fala de Dilma sugere que a manifestação no
Itaquerão decorreu de um espécie de conspiração, de combinação prévia… É mesmo?
Quem teria tramado, então, aquele protesto que uniu milhares de pessoas? As
oposições?
Em quarto lugar, ao afirmar que não se intimida, fica parecendo
que a presidente enfrenta interesses poderosos, que estariam do outro lado,
tentando constrange-la a fazer o que não quer. Quais são? Reparem que, quando
acuados, os governantes brasileiros sempre voltam ao fantasma brandido por
Jânio Quadros: as tais forças ocultas… Não há nada de oculto na reação negativa
ao governo Dilma. Há milhões de pessoas insatisfeitas com o desempenho do
governo. É coisa corriqueira aqui e em qualquer país do mundo. Vaia-se na
França, na Alemanha, nos EUA ou no Brasil. Nas ditaduras, aplaudir é
obrigatório. Nas democracias, as pessoas podem escolher entre a vaia, o aplauso
e a indiferença.
Dilma só é vítima da ruindade de seu governo. E olhem que os
insatisfeitos do Itaquerão não deviam saber da missa nem a metade. É bem
provável que muitos por lá ignorassem que a presidente baixou um decreto, o
8.243, que torna o petismo e suas franjas sócios eternos do poder, mesmo que
percam as eleições. Os protestos poderiam ter sido bem mais veementes, não é mesmo?
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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