Por Fernão Lara Mesquita
Um golpe contra a democracia está em curso desde o último
dia 26 de maio e a circunstância que o torna mais ameaçador do que nunca antes
na história deste país é a atitude de avestruz que a imprensa tem mantido, deixando
de alertar a população para a gravidade dessa agressão.
O decreto nº 8.243, assinado por Dilma Rousseff, que cria um
"Sistema Nacional de Participação Social", começa por decidir por
todos nós que "sociedade civil" deixa de ser o conjunto dos brasileiros
e seus representantes eleitos por voto secreto, segundo padrão universalmente
consagrado de aferição da legitimidade desse processo, e passa a ser um grupo
indefinido de "movimentos sociais" que ninguém elegeu e que cabe ao
secretário-geral da Presidência, e a ninguém mais, convocar para examinar ou
propor qualquer lei, política ou instituição existente ou que vier a ser criada
daqui por diante em todas as instâncias e entes de governo, diretas e
indiretas, o que afeta também os governos estaduais e municipais hoje na
oposição.
Apesar da violência desse enunciado, a maioria dos jornais e
televisões do país nem sequer registrou o fato. E mesmo os que entraram no
assunto depois vêm diluindo o tema no noticiário como se não houvesse nada com
que seus leitores devessem se preocupar. Prossegue a sucessão de manchetes em
torno do golpe de 1964, mas para o de 2014 o destaque é próximo de zero. Nenhum
critério jornalístico justifica isso.
Esse decreto é, na verdade, um excerto do Terceiro Plano
Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que o PT já tentou impor antes ao país
também por decreto - nas vésperas do Natal de 2009, no apagar das luzes do
governo Lula -, mas que, graças à forte reação da imprensa e consequente
mobilização da opinião pública, foi obrigado a abortar.
O PNDH-3 contém 521 propostas que, além da revogação da Lei
de Anistia, que passou "no tapa" depois que a imprensa comprou a
ideia do governo de que a prioridade nacional é voltar 50 anos para trás e não
correr 50 anos para a frente, institui "comissões de direitos
humanos" nos Legislativos para fazer uma triagem prévia das matérias que
eles poderão ou não processar; impõe a censura à imprensa; obriga a um processo
de "reeducação" todos os professores do país; veda ao Judiciário dar
sentenças de reintegração de posse de propriedades "rurais ou
urbanas" invadidas, prerrogativa que se torna exclusiva dos
"movimentos sociais"; desmonta as polícias estaduais para criar uma
central única de comando de todas as polícias do país, e vai por aí afora.
Ciente de que tal amontoado de brutalidades jamais será
aprovado pelo Legislativo, o PT está tratando de fazer com esse Poder o mesmo
que fez com o Judiciário. Os juízes não dão as sentenças que queremos? Substituam-se
os juízes por juízes "amigos". Um Legislativo eleito pelo conjunto
dos brasileiros jamais transformará essas 521 propostas em lei? Substituam-se
os legisladores por "movimentos sociais" amestrados sob a tutela da
Presidência da República...
O argumento de que esse é o jeito de forçar o Congresso a
reformas não é honesto. Para forçar reformas que o povo deseje, existem
instrumentos consagrados tais como o do voto distrital com recall, que arma as
mãos de todos os eleitores para demitir na hora os representantes que
resistirem ou agirem contra a sua vontade. Este tipo de participação, sim,
opera milagres estritamente dentro dos limites da democracia. Substituir os
representantes eleitos por "representantes" que ninguém elegeu tem outro
nome: chama-se golpe.
Depois da rendição do Judiciário com a renúncia de Joaquim
Barbosa, só sobra a imprensa. E os feriados da Copa farão com que só haja pouco
mais de meia dúzia de sessões legislativas completas em junho e julho somados.
Depois é véspera de eleição. É bom, portanto, que ela desperte já dessa
letargia, pois não haverá segunda chance: está escrito no PNDH-3 que a imprensa
é a próxima instituição nacional a ser desmontada.
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