Por J. R. Guzzo
Fatos. O que eu quero que
me deem é isto: fatos. Não me venham com outra coisa; fatos, apenas fatos, são
necessários na vida. Você só pode formar a mente de animais racionais através
de fatos. Fatos: fora os fatos, nada será de utilidade alguma para ninguém,
jamais.
Nos tempos duros da
Inglaterra de 1850, esse era o evangelho do professor Thomas Gradgrind,
personagem do romance Hard Times
e destaque na prodigiosa galeria de tipos humanos criados pelo gênio de Charles
Dickens.
O professor Gradgrind,
punido com um desses nomes que só o humor travesso de Dickens sabia inventar, é
um personagem cômico - caricatura de uma Inglaterra que começava a se encantar
com as estatísticas e com os esforços para explicar o mundo através de números,
sem o contágio da imaginação nem emoções individuais, essas grandes criadoras
de desordem na existência humana.
Tudo bem. Mas a verdade é
que às vezes faz falta "um homem de realidades" como Mr. Gradgrind. Sua
presença talvez fosse útil para colocar um mínimo de ordem na babilônia mental
que desorganiza o debate público no Brasil de hoje.
Sem os fatos, insistia o
professor, não é possível definir as diversas coisas que existem neste mundo -
requisito indispensável para separar o verdadeiro do falso.
Essa trágica história da
compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras é um
exemplo perfeito do descaso pelos fatos. Desde que o escândalo veio a público,
assiste-se a um embate em que tudo é dissecado, menos o que, no fim das contas,
realmente interessa; é como a leitura de um prefácio maior que o livro.
A presidente Dilma Rousseff
estava certa ou errada em sua conduta quando presidia o Conselho de
Administração da Petrobras, em 2006, ocasião em que a empresa comprou por 360
milhões de dólares a metade de uma refinaria que, no ano anterior, havia sido
adquirida por cerca de 40 milhões pelos vendedores?
Estava meio certa? Meio
errada? Certa e errada ao mesmo tempo? De quanto é a sua culpa nesse desastre -
10%, 25%, 50%? E por aí se vai, com questões e mais questões, numa conversa
inútil que talvez só acabe no dia do Juízo Universal.
A conversa é inútil porque
não é preciso gastar um único neurônio com toda essa metafísica; basta ficar
nos fatos e tudo se resolve em menos de um minuto.
Com os fatos se chega à
definição mais clara do que realmente aconteceu: aconteceu, em português
corrente, a transferência de 360 milhões de dólares pertencentes à população
brasileira para o bolso de uns vagos belgas, donos de uma certa Astra Oil, em
troca de um ativo que um ano antes fora negociado por uma soma nove vezes
menor.
Com a definição, tornou-se
possível separar num instante o verdadeiro do falso. Os fatos mostram que é
verdadeiro afirmar: "A presidente Dilma Rousseff cometeu um desatino que ficará
registrado na história nacional da incompetência". Os mesmos fatos mostram que
é falso afirmar qualquer outra coisa.
É tudo muito simples.
Dilma, após oito anos de um silêncio de cemitério, afirmou ao público
brasileiro que não recebeu, na ocasião da compra, dados certos e completos por
parte da direção executiva da estatal, o grupo que realmente cuida de suas
operações - e que não teria dado sua aprovação ao negócio se soubesse direito
as condições reais em que ele fora realizado.
Fim da história: a
presidente confessou que não sabia o que estava fazendo.
Discutir mais o quê, depois
disso?
Fonte: Revista "Veja"
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