Muniz Sodré: "O conceito de cultura
ecológica preconiza o dar-se as mãos às diferenças"
Foto: Reprodução
O sociólogo Muniz Sodré é um defensor
da diversidade. Em suas obras, que orbitam pelos campos da comunicação,
cultura, sociologia e educação, ele exalta a necessidade do reconhecimento das
diferenças e de uma aproximação afetiva delas como forma de se caminhar para a
aceitação da pluralidade e se valorizar o Outro (em letra maiúscula mesmo, para
evidenciar a deferência). Formado em Direito, com mestrado da Sociologia da Informação e doutorado em Letras, Sodré é tido como um dos mais importantes
intelectuais brasileiros. Ao transitar pelo ambiente acadêmico e o de saberes populares,
ele faz o apreço ao diverso não ficar restrito apenas a sua produção
científica.
Prova disso é que Sodré, ao mesmo tempo
em que é professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e já ocupou o cargo de presidente da
Biblioteca Nacional. Em 2012, ele
publicou o livro "Reinventando a Educação: Diversidade, Colonização e Redes", em
que afirma: "A ideia do 'saber único' termina recalcando uma parte importante
da realidade (…) seus efeitos são igualmente danosos no tocante à educação,
porque o monismo cultural impede o pluralismo".
Para o estudioso, a educação brasileira
precisa ser reentendida, uma vez que ela foi concebida com base em saberes
eurocêntricos, descartando o potencial intrínseco aos outros povos que
constituem a diversidade do nosso país. Ele entende que a experiência que cada
aluno traz deve ser valorizada e compreendida na formação do que chama de
ecologia de saberes.
Em entrevista ao "Porvir", o
intelectual falou da importância de os professores, figuras que considera
cruciais na formação do indivíduo, mudarem de papel. Em vez de transmissores de
conhecimento, eles devem assumir a função de tradutores das diversas linguagens
do mundo - que são ainda mais vastas quando se considera que o conhecimento tem
múltiplas origens. Falou também de tecnologia como um espaço ao qual estamos
irremediavelmente ligados pela cultura digital. E criticou o currículo adotado
pelas escolas, que acabam criando seres competitivos, e não necessariamente
promovem a circulação de saberes.
O Blog Demais informa: Muniz Sodré é natural de São Gonçalo dos Campos e morou e estudou em Feira de Santana antes de ir para o Rio de Janeiro.
O senhor diz que o professor deve
assumir o papel de iniciador nas linguagens do mundo. Como o professor se
prepara para apresentar a seus alunos tantas linguagens, que podem ser novas
inclusive para ele?
A docência como uma iniciação a
linguagens supõe uma pedagogia que não se define por inculcação de conteúdos,
mas pelo acolhimento da diversidade. Cada linguagem é um modo de ser do
conhecimento, que envolve cognição e ética. Isto vale para qualquer campo do
saber, até mesmo os mais especializados. Para tanto, o
iniciador-tutor-professor, qualquer que seja o nome, precisa de uma formação
diferenciada e uma reciclagem permanente. Tudo isto supõe também um status
especial para o docente.
Como a lógica de diálogo com a tecnologia pode influenciar positivamente
nos processos de aprendizagem?
Tecnologia é a razão ou a linguagem da técnica. A consciência do homem
contemporâneo é fortemente moldada não apenas pelos objetos técnicos de que dispõe,
mas principalmente por um "coração" afinado com a ambiência tecnológica. Como
toda aprendizagem começa a partir da ambiência (família, meio natural etc.), o
diálogo educacional incluirá necessariamente os pressupostos tecnológicos do
modo de existência.
O que falta para as escolas e as famílias serem capazes de educar para o
sensível e para a diversidade? Qual é a importância da aproximação com o outro
e do reconhecimento da diferença na formação de cidadãos plenos?
A separação (platônica) entre paideia (a cultura do logos) e paidia
(jogo, a cultura do sensível) marca ainda hoje profundamente a educação
ocidental. Mas é a própria tecnologia que põe em questão a pretensa
superioridade lógica dos signos, das palavras (a ideia de cultura como o sério
ou o sisudo), expondo a parte importante do sensível nas elaborações culturais.
O conceito de cultura ecológica preconiza o dar-se as mãos às diferenças.
O senhor costuma falar que a escolarização precisa se desprender da
ideia de escola. Como fazer com o que é aprendido fora da escola também seja
valorizado e convidado a entrar na sala de aula?
Eu falo de desprendimento físico, de escola entendida como centro imóvel
de transmissão de conhecimento e formação humana. Escola é, na verdade, uma
forma moderna (assim como a democracia e o mercado são formas) da socialização
do saber. Essa forma não deveria ser monológica, nem monocultural, e sim o
processo de incorporação e diálogo com todos os saberes circulantes num grupo
humano qualquer. Seria essa a ecologia dos saberes.
Em suas falas, o senhor fala da necessidade da transformação de
currículos e conteúdos. Quais são os conteúdos que precisam ser considerados
e/ou valorizados no currículo brasileiro?
Os currículos escolares são geralmente absurdos: um sem-fim de matérias
que o estudante esquece tão logo ultrapassa as barreiras de acesso ao ensino
superior. Todo esse absurdo destina-se a preparar o jovem para a competição do
teste. O conhecimento acaba definindo-se pela capacidade de passar no teste. Aí
não se avalia realmente o saber, mas a competitividade do indivíduo, como se
estivesse no mercado.
Fonte: "Porvir"
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