Por Reinaldo Azevedo
Setores
da imprensa e alguns subintelectuais, com ignorância alastrante, tentaram ver o
"rolezinho" como manifestação da luta de classes. Os shoppings,
chamados de "templos de consumo" por bocós dos clichês superlativos,
seriam a expressão mais evidente e crua do "fetichismo da
mercadoria", uma estrovenga que "sedizentes" marxistas não
conseguem definir sem engrolar incongruências e abstrações inanes. Deu errado.
Boa parte dos shoppings está nas periferias e é frequentada por pobres. Quando
a luta de classes falha, é o caso de convocar a guerra racial.
Mais
uma vez, a PM é vista como algoz, e "jovens pobres, negros e da
periferia", como arautos de um novo tempo. Os deserdados da
"modernização conservadora" teriam decidido invadir o espaço privado
do capitalismo excludente: o shopping! Quanto besteirol, Santo Deus!
O
"rolezinho", na sua atual configuração, é uma criação da imprensa. Os
"brancos da nossa classe" fazem "flash mobs". Já os pobres
negros, vistos com curiosidade antropológica, fazem "rolezinhos", que
são exaltados em nome da diversidade. O pobrismo racialista é a mais vistosa
manifestação de vigarice intelectual do jornalismo e da academia. Esse olhar
que supostamente defende os "excluídos" acaba por confiná-los num
gueto conceitual, numa jaula de boa-consciência.
Jovens
que aderem a eventos por intermédio do Facebook não são excluídos sociais, mas
incluídos da cultura digital, que já é pós-shopping, pós-mercadoria física e
pós-racial. O que mais se troca nas redes sociais são bens simbólicos, são
valores, que definem tribos e grupos com pautas cada vez mais específicas.
Está
em curso, entre pobres e ricos, brancos e negros, uma espécie de fetichização,
sim, mas é a da vontade. Cada um desses nichos de opinião considera que tem o
direito de impor a sua pauta ou seus hábitos ao conjunto da sociedade –se
necessário, pela força. Os que fazem "rolezinhos" não estão cobrando
mais democracia, como quer a esquerda rosa-chique. Eles manifestam, na prática,
é desprezo pela cultura democrática. E são bem-sucedidos. Fernando Haddad os
chamou para uma reunião na prefeitura. A ministra Luiza Bairros lhes atribui
uma agenda libertadora. Imposturas!
Não
se percebia, originalmente, nenhuma motivação de classe ou de "raça"
nessas manifestações. Agora, sim, grupos de esquerda, os tais "movimentos
sociais" e os petistas estão tentando tomar as rédeas do que pretendem
transformar em protesto de caráter político. Se há, hoje, espaços de fato
públicos, são os shoppings. As praças de alimentação, por exemplo, são
verdadeiras ágoras da boa e saudável democratização do consumo e dos serviços.
Lá estão pobres, ricos, remediados, brancos, pretos, pardos, jovens, velhos,
crianças... Lula, que é Apedeuta, mas não burro, jamais hostilizou essa
conquista dos ex-excluídos. Só o cretinismo subintelectual cai nessa conversa.
Ocorre
que o jornalismo e a academia são reféns morais das ideias mortas que oprimem o
cérebro dos vivos. Continuam na expectativa da grande virada de mesa, uma
ilusão redentora que só sobreviveu na América Latina. Se os participantes dos
"rolezinhos" fossem rebeldes políticos, ainda que primitivos, o seu
papel seria o de uma protovanguarda revolucionária à espera do Lênin dos
shoppings.
Para
encerrar, uma curiosidade: por que jornalistas se referem a frequentadores
habituais de shoppings como "gente de bem", assim, entre aspas, como
se quisessem sugerir que eles, na verdade, são do mal? O que há de errado,
coleguinhas, com aquela gente? Ela assina os jornais e revistas que fazemos, lê
as coisas que escrevemos nos portais, sites e blogs e, na prática, paga os
nossos salários. Quando menos, parem de cuspir no prato em que comem. Aquela
gente de bem, sem aspas, é inocente.
Fonte: "Folha de São Paulo"
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