Por
Mary Zaidan
Olhos
mareados, voz embargada, choro. Não fosse um rol de deslavadas mentiras, o
discurso de José Sarney na última sessão em que presidiu o Senado seria de
fazer orgulho. A ele, ao Parlamento, ao País.
Mas qual o quê. Nele, deu como obra feita
o que não fez. Mais ainda, encheu de elogios o novo presidente da Casa Renan
Calheiros, antes mesmo de ele ser eleito. Desrespeitou seus pares, que, por sua
vez, desrespeitaram o Legislativo e os eleitores que representam ao ungir
alguém que já renunciara ao mesmo cargo para não ser cassado, e que acaba de
ser denunciado pelo Ministério Público por três crimes: peculato, falsidade
ideológica e uso de documento falso.
Não se sabe quanto tempo Renan ficará no
posto. Mas, mesmo sendo hábil, dificilmente conseguirá bater o imbatível
Sarney.
Com quase 83 anos de idade, 58 de vida
pública, Sarney, com senso de autoproteção apuradíssimo, sempre conseguiu estar
do lado certo: o seu.
Chegou à Câmara dos Deputados em 1955 pelo
PSD. Mudou-se rapidamente para a UDN, agremiação arquirrival.
Foi da Arena, partido de apoio dos
governos militares, e integrou a Frente Liberal que formou com o PMDB a Aliança
Democrática que elegeu Tancredo Neves no último Colégio Eleitoral parlamentar,
realizado após a derrota da emenda das Diretas-já. Virou vice de Tancredo,
subiu ao Planalto. Passou a mandar no PMDB.
Sempre no lugar certo na hora certa. Para
ele e os seus. Nem aos maranhenses foi fiel. Em 1990, trocou seu Estado natal
pelo Amapá para garantir o governo do Maranhão à filha, ampliando os poderes do
clã.
Aliou-se a Fernando Collor e desaliou-se.
Firmou lealdades diversas, de FHC a Lula, esse último um ex-crítico mordaz que,
rapidamente, passou a lhe fazer mesuras. Dilma Rousseff completa a lista dos
Sarney-dependentes.
Intocável, vai assombrar para sempre.
Intocável, vai assombrar para sempre.
Talvez se imagine primeiro-ministro e, por
isso, tenha feito uma extemporânea defesa do parlamentarismo. Logo ele, que, há
25 anos, se opunha aos constituintes que no primeiro projeto da Carta optaram
por esse sistema de governo.
Rejeitado no plebiscito de 1993, o
parlamentarismo é adotado nas democracias mais avançadas do mundo. Mas é
inviável quando se tem um Congresso que não se dá ao respeito. Que não perde uma
só oportunidade para se desmoralizar.
Renan e a maioria absoluta que nele votou que o digam.
Renan e a maioria absoluta que nele votou que o digam.
O faro para odores mais convenientes Renan
também tem. Foi fundador do PSDB, homem de confiança de Collor, ministro de
FHC, presidente do Senado na era Lula e, agora, de Dilma. Mas, perto de Sarney,
impune e imune, é um aprendiz.
E é isso o que mais assusta.
Mary Zaidan
é jornalista, trabalhou
nos jornais "O Globo" e "O Estado de S. Paulo", em Brasília.
Fonte: "Blog do Noblat"
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