Na edição impressa de VEJA, comentei
o livro do jornalista Merval Pereira sobre o julgamento do mensalão. Segue-se o
texto. (AN)
Por Augusto Nunes
Numa paisagem infestada de repórteres
invertebrados, críticos construtivos, colunistas estatizados e analistas que
combatem valentemente quem ousa discordar do governo, o espaço ocupado por
jornalistas nascidos sob o signo da independência e condenados a amar a verdade
acima de todas as coisas parece perturbadoramente acanhado. É mesmo diminuto,
mas não há motivos para inquietação.
Os integrantes dessa linhagem nunca foram
muitos. Mas cada um vale por uma multidão, comprova Merval Pereira em Mensalão - O dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil
(Editora Record; 285 páginas; 34,90 reais). "O jornalismo é o exercício diário
da inteligência e a prática cotidiana do caráter", ensinou Cláudio Abramo.
É o que Merval tem feito há mais de 40 anos,
ao longo dos quais brilhou como repórter de campo ou exercendo cargos de chefia
nas Organizações Globo, no Jornal do Brasil e em VEJA. É o que faz todos os
dias em sua coluna no Globo e nos comentários para a GloboNews e para a rádio
CBN. Foi o que fez durante os quatro meses e meio em que milhões de brasileiros
acompanharam - primeiro com ceticismo, em seguida com esperança, enfim com
justificado entusiasmo - o julgamento da quadrilha que tentou a captura do
Estado Democrático de Direito até ser desbaratada em meados de 2005.
Aos 63 anos, eleito há quase dois para a Academia
Brasileira de Letras, o jornalista carioca reconstitui essa metamorfose
fascinante no livro que reúne 86 artigos publicados na página 4 do Globo,
precedidos por um pedagógico prefácio do ex-ministro Carlos Ayres Britto e
completados por dois textos, até agora inéditos, que induzem o mais descrente
dos leitores a acreditar que o Brasil nunca mais será o mesmo. Começou a mudar - para melhor.
Como adverte o posfácio, nenhuma decisão
judicial é capaz de iluminar da noite para o dia a face escura de um país. Se
no Brasil Maravilha que Lula inventou é possível até erradicar a miséria por
decreto, no Brasil real os avanços são mais demorados. O Supremo não erradicou
a corrupção. Ao condenar uma organização criminosa comandada por figurões
federais, contudo, revogou a norma não escrita segundo a qual alguns são mais
iguais que os outros, embora todos sejam iguais perante a lei.
Ao contrário do miserável-brasileiro, o
brasileiro corrupto não virou uma espécie extinta. Mas ninguém mais pode
considerar-se condenado à perpétua impunidade. Veja-se o escândalo
protagonizado por Rosemary Noronha e seus comparsas. Um jipe doado a um
dirigente do PT por serviços prestados a uma empresa privada, exemplifica
Merval, "equivale à operação plástica para a chefe do gabinete da Presidência
da República em São Paulo, em troca talvez de uma audiência marcada".
Nem existem diferenças notáveis, lembra o
autor, entre arranjar emprego para a ex-mulher do político poderoso ou premiar
com um cruzeiro marítimo a secretária que diz que conversa com o ex-presidente
todos os dias. O caso Rose sugere que o país é o de sempre. Visto de perto,
informa aos gritos que as coisas mudaram.
Há um ano, como demonstra o livro, Lula
estava em campanha para adiar o julgamento do mensalão ou absolver todos os
culpados. Confiante no apoio de gente que nomeou, como o presidente Ayres
Britto ou o relator Joaquim Barbosa, enxergou subordinados obedientes onde
havia juízes honrados. Decidido a ganhar de goleada, recorreu à chantagem para
enquadrar Gilmar Mendes. A vítima do achaque contou o que acontecera e Lula
preferiu acompanhar o julgamento pela TV Justiça.
Atropelado em novembro pela Operação Porto
Seguro, que apurou as bandalheiras da turma de Rose, o mais falante dos
palanqueiros foge da história há mais de três meses. "Depois do julgamento do
mensalão, há mais chance de o poderoso de plantão, apanhado com a boca na
botija, pagar por seus crimes, até mesmo na cadeia", constata Merval. É
verdade, confirma a estridente mudez de Lula.
Fonte: "Direto ao Ponto"
Um comentário:
E esperamos mesmo que a justiça continue a ser cega, mesmo quando se tratar de um ex-presidente como essa criatura petista. Não esperamos menos do que isto.
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