Por Leonardo Bruno
Dentre tantas questões da nossa época,
encontradas na filosofia e em muitas perspectivas políticas, há três grandes
revoltas da modernidade: a revolta contra Deus; a revolta contra a verdade; e a
revolta contra o homem.
Revela-se no Ocidente a revolta contra Deus. As
ideologias políticas e certas escolas filosóficas excluem Deus da história e do
universo moral, político, ético e existencial do homem. O elemento da moda
difundida nas universidades, na mídia e na opinião pública em geral é o
materialismo e o ateísmo. Nestas teorias, o homem não precisa mais da realidade
transcendente. Ele se basta a si mesmo.
A velha Europa destronou o fundamento histórico,
moral e simbólico do Cristianismo nas instituições. Grupos fanáticos de
militantes secularistas e esquerdistas se revoltam contra símbolos religiosos e
contra a imagem maior da cruz em várias nações do mundo. A manifestação da fé
cristã é hostilizada e marginalizada, senão criminalizada. Na Suécia chegou-se
ao cúmulo de falar do Natal nas escolas excluindo o nome de Jesus Cristo. O
nome do menino Jesus incomoda muitos. Na lógica deles, a religião deve ser
extirpada da vida pública. O único mundo a ser valorizado é o terreno, o
material, o temporal.
Por outro lado, há o sacrifício da verdade. É um
lugar comum afirmar que a verdade não mais existe. Ou que ela é uma ilusão dos
filósofos antigos e medievais. Há, ainda, pessoas que afirmam ser a verdade
"intolerante", geradora de ódios e fanatismos. Em nome da tolerância,
que tal abolir a idéia da verdade? Cada pessoa terá sua idéia, sua moral e seu
fundamento e ninguém incomodará a outra com seus pensamentos. O relativismo,
contraditoriamente, é o dogma da modernidade, a falsa verdade absoluta
disfarçada de negação de todas as verdades.
Por fim, o homem é diminuído. As filosofias que
negam a existência de Deus e da verdade, negam também a dignidade humana. A
sacralidade da vida humana é relativizada. Neste prisma, o ser humano não passa
de um composto químico orgânico, de um animal mais evoluído. Não há nenhuma
questão substancialmente distintiva em relação às outras espécies. Como ser
apenas biológico, um dia morrerá e sumirá. Na verdade, o homem é considerado
mero produto da matéria, uma insignificante engrenagem que faz parte de um todo
abstrato, porém onipotente, chamado "natureza", com suas forças
irracionais e impessoais. Sua inteligência e sua razão são impotentes para
enfrentar ou compreender as circunstâncias pelas quais vive.
Não é espantoso observar que as filosofias
modernas, ainda que prometam a liberdade, neguem o indivíduo? A própria
individualidade não passa de um efeito acidental das circunstâncias. Ela é
sempre produto do meio, da genética, da sexualidade, das forças de produção
econômica, da coletividade, da estrutura cultural, social e política ou da
matéria. Em outras palavras, o homem não é livre. Sua liberdade e existência
perdem-se num complexo arbitrário de fatores que não consegue perceber
conscientemente. O homem é considerado figura amorfa de mais variados
determinismos. Contudo, essa perspectiva tem uma contradição fatal: só os seus
defensores conseguem perceber conscientemente essas influências. O que, na
prática, confirma categoricamente a autonomia da consciência.
A consequência da negação de Deus na história é a
negação da unidade existencial do homem como ser revestido de essência. Se a
moral, a cultura, as idéias, o acúmulo de conhecimentos, a filosofia, o direito
e a própria história são apenas meros fragmentos existenciais dos homens que
não se comunicam entre si, logo, essa realidade histórica vivida pela espécie
humana não possui unidade, nem coerência. Para quê guardar o passado, se a vida
só é eterno presente, eterna temporalidade? Para quê preservar a civilização,
se ela não tem continuidade em seus legados? Se não há Deus na história, toda a
moral, todo o conhecimento e toda a civilização se diluem em caprichos e
paixões irracionais de uma época. A realidade ontológica do homem na história
se perde num emaranhado de existências sem qualquer propósito, sem qualquer
correlação, sem qualquer nexo de causalidade.
Não é por acaso que o senso de moralidade
definhou muito no século XX. A realidade dos campos de extermínio nazistas ou
dos gulags soviéticos é a lógica elementar de uma moral utilitária, que
não obedece a valores perenes, mas sim a circunstâncias e desvarios políticos.
Sem a dignidade inata do homem, sem a lei natural e a transcendência, o
indivíduo pode perfeitamente ser uma cobaia de um experimento social ou vítima
do extermínio. O propósito de sua existência não é intrínseco à transcendência
ou permanência. Depende dos caprichos de uma época, das convenções do momento,
das paixões e opiniões massificadas de uma ideologia ou credo político.
Falou-se de transcendência. Sem ela, o homem não
tem a perspectiva adequada para hierarquizar os valores e as relações das
coisas no universo. Não tem a faculdade nem mesmo de pensar na ciência. Até
porque as noções de ato, potência, da causalidade e seus efeitos não podem ser
compreendidas dentro de uma ordem arbitrária e irracional. A confusão mental da
atualidade é crer que a ciência possa substituir a filosofia, a metafísica, a
teologia e outras demais formas de conhecimento. Na prática, a própria ciência
se autodestrói. Vira um mito, uma mistificação esotérica.
E a abolição da verdade? É surpreendente pensar
que os intelectuais, filósofos e ativistas queiram revogar a distinção básica
entre verdade e erro, quando na prática, não conseguem desvinculá-la do dia a
dia. É possível viver sem confiar na verdade? É possível fundamentar qualquer
tipo de conhecimento no ceticismo e no agnosticismo absolutos? É possível viver
sem confiança? Imaginemos uma pessoa não confiar no seu vizinho, no que lê, no
que faz ou no que acredita? Isso é humanamente possível sem causar degeneração
na consciência? A própria pregação em favor do ceticismo e agnosticismo
absolutos implica uma crença numa verdade, ainda que contraditoriamente a
negue. De fato, os céticos confiam demais no seu ceticismo, ainda que seu
método, na prática, possa entrevar o raciocínio. É um estranho excesso de fé no
nada. A negação prévia da verdade pode se tornar negação também da realidade. O
cético, como um sofista, nega a verdade pela inépcia ou pela covardia de
buscá-la.
Aristóteles já dizia que uma das faculdades mais
profundas do homem é o saber. O saber que nasce de um assombro, de uma
contemplação da realidade ao seu redor. Toda filosofia de ceticismo é uma
negação do assombro pela indiferença. A negação da verdade e o relativismo
implicam transformar todo o conhecimento humano numa mentira conveniente.
Então, não haverá verdades propriamente ditas, mas disputas retóricas
falaciosas e facciosas. Na lógica do relativismo, convencer alguém é mentir
melhor do que o outro. Entretanto, será que alguém vive na mentira? Será
possível a mentira viver substancialmente na realidade, já que ela pertence a
um não-ser, a algo inexistente? Se a mentira conveniente do relativismo
fundamenta o discurso moral, político e filosófico, o que se pode esperar
disso?
Se ninguém tem compromisso com a verdade, o que
resta é a imposição da mentira. Numa situação como esta, qualquer compromisso
moral de honestidade já foi jogado na lata do lixo. Se há algo que se pode
concluir de uma boa parte das filosofias modernas é a mentira sistematizada,
consciente. Dentro do maior século da mentira, o século XX.
Tal sintoma não apenas gera desprezo pela
verdade. A consequência mais grave é o ódio até pela realidade. Variados grupos
políticos propõem uma modificação radical da realidade, pelos desvarios
tirânicos de suas ideologias. Grande parte dos regimes totalitários do século
XX tinham este objetivo.
As loucuras atuais do politicamente correto e da
engenharia social, visando remodelar comportamentos e pensamentos, são
elementos nada desprezíveis do desprezo pela realidade. Uma questão é bastante
clara: a realidade não pode ser apagada. No mínimo, negada. No máximo,
destruída. E mesmo assim existirá, sob escombros.
O Cristianismo é um das poucas sólidas
referências em um mundo cada vez mais confuso, perdido, dominado por credos
perversos ou ceticismos vazios. Ao perder a fé em Deus e Jesus Cristo, o
Ocidente não está apenas se degenerando. Está literalmente enlouquecendo. A ditadura
do relativismo desumaniza o homem. Rebaixa as instituições e a moral. Contamina
a verdade de falsidades. Destrona Deus e absolutiza a natureza e o Estado.
Sem Deus, o homem perde o senso da ordem da
natureza e a noção da dignidade intrínseca que possui no universo. Sem a
verdade, deixa de conhecer a realidade e se perde na escuridão e ignorância.
Ou, na pior das hipóteses, enlouquece. E o caminho de tudo isso é a despersonalização, a morte e o aniquilamento. Eis o abismo que esopera o Ocidente.
Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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