Por
Merval Pereira
Como todo
mundo sabe, Paris é uma cidade pequena onde todo mundo se esbarra. Portanto,
nada mais natural que o senador Ciro Nogueira, do PP, e o deputado Maurício
Quintela, do PR, que por acaso são membros da CPI do Cachoeira, encontrarem
casualmente num restaurante da Avenue Montaigne com o empreiteiro Fernando
Cavendish.
Estavam os
nossos bravos parlamentares, e mais o deputado Eduardo da Fonte, também do PP,
fazendo uma rápida baldeação em Paris, depois de uma exaustiva viagem a
trabalho a Uganda, onde se encontraram com suas esposas, que preferiram os ares
da capital francesa aos daquele país africano.
O encontro
foi denunciado ontem na reunião da CPI do Cachoeira pelo deputado federal Miro
Teixeira, com requintes de crueldade: o senador Ciro Nogueira encaminhara
momentos antes a votação para que o ex-presidente da Delta não fosse convocado
a depor, e Miro usou uma expressão cunhada por ato falho do governador Agnelo Queiroz,
do PT, ao depor na CPI no dia anterior.
Ele se
referiu, provocando gargalhadas gerais e muitos tweets, a uma "tropa de
cheque", quando pretendia dizer "tropa de choque", o que é perfeitamente
compreensível nas atuais circunstâncias, diria Freud.
Ao fim e ao
cabo, a votação apertada de 16 votos a 13 para adiar a convocação marcou uma
vitória matemática, mas uma derrota moral petista, que dificilmente será
confirmada em uma futura votação depois que ficou demonstrado que dois
representantes partidários, membros titulares da CPI do Cachoeira,
encontraram-se com o ex-proprietário da Delta em Paris.
(Aliás, como
gosta de Paris esse Cavendish. Mesmo depois de tecnicamente quebrado, continua
por lá, como se nada estivesse acontecendo.)
O senador
Ciro Nogueira diz que é amigo de Cavendish há muitos anos e chegou mesmo a
anunciar em seu Twitter que iria ao casamento do amigo em Itaipava, mas deveria
manter uma distância preventiva do empreiteiro, principalmente depois da
revelação de uma gravação em que Cavendish garante: "Se eu botar 30 milhões na
mão de um político, eu sou convidado para coisa para c... Pode ter certeza
disso. Te garanto."
O
interessante é notar que a maioria governista serve apenas para ações
defensivas, isto é, não convocar Cavendish ou Luiz Antônio Pagot, o ex-diretor
do Dnit que anda falando pelos cotovelos e está louco para depor na CPI, que,
no entanto, também adiou sua convocação, por motivos mais do que claros.
Anteriormente,
esse equilíbrio de forças real, mesmo que, no plano virtual, a base aliada seja
maioria esmagadora no plenário, levou à quebra do sigilo nacional da Delta, que
não interessava a ninguém da base aliada mas se impôs como uma necessidade para
não desmoralizar de vez a CPMI.
Depois que a
própria Corregedoria Geral da União (CGU) passou um atestado de inidoneidade à
empreiteira Delta, ficou mais ridícula ainda a operação comandada pelo PT e
pelo PMDB para blindar Cavendish.
Aos petistas
não interessa expor na CPI os óbvios problemas do governo ao transformar a
Delta na maior empreiteira do PAC. E aos peemedebistas não interessa remexer na
amizade polêmica do governador Sérgio Cabral, do Rio, com o empreiteiro
Fernando Cavendish.
O líder do
Psol, deputado Chico Alencar, resumiu ontem muito bem a situação: "Para entrar
no fundamental dos seus trabalhos, que é a análise dos documentos e o
cruzamento de dados, a CPI precisa receber da PF a lista dos numerosos
aquinhoados com os telefones do 'Clube Nextel' de Cachoeira. E ainda ouvir
outros depoimentos importantes, como o do dono ‘licenciado’ da Delta, Fernando
Cavendish, e do ex-diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot, cuja vontade de falar
incomoda a 'gregos e troianos'. Não a nós, nem à sociedade brasileira, que
precisa de verdades."
O governo tem
uma maioria defensiva na CPI e conta também com uma coincidência a seu favor em
relação aos três principais investigados: os advogados Márcio Thomaz Bastos, de
Cachoeira; Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, do senador Demóstenes
Torres; e José Luiz de Oliveira, da Delta, contratado ainda na época de
Cavendish, têm em comum ligações pessoais e profissionais com importantes
membros do governo.
Thomaz Bastos
foi ministro da Justiça de Lula e continua sendo seu conselheiro. Kakay é amigo
de José Dirceu, de quem José Luiz Oliveira é advogado no mensalão.
Tudo está
sendo feito para que a CPI acabe mesmo pegando apenas o governador Marconi
Perillo, tucano de Goiás, que era um dos alvos preferenciais dos petistas ao
pedirem a CPI.
Frustrados os
outros alvos, o procurador-geral da República e a imprensa, na figura da
revista "Veja" - só o senador Fernando Collor continua empenhado na sua
campanha insana e solitária -, só resta mesmo aos petistas tentar levar para o
banco dos réus o governador tucano, e para tanto darão sem piscar a cabeça do
governador petista do Distrito Federal, Agnelo Queiroz.
Os dois,
aliás, estão ironicamente enrolados em transações financeiras difíceis de
explicar envolvendo compra e venda de mansões, o que não deixa de ser
sintomático.
Falta alguém
na CPMI do Cachoeira, e não é o empreiteiro Fernando Cavendish nem o ex-diretor
do Dnit Luiz Antônio Pagot. Esses deveriam mesmo ser convocados. Mas, como já
escrevi aqui antes, só surgindo uma ex-mulher ressentida, ou um ex-marido na
mesma situação, um motorista ou uma secretária, para essa investigação da CPI
ir a algum lugar.
Fonte: "O
Globo"
Um comentário:
Os petralhas calariam de alguma forma, a fala dessa dita mulher ressentida, de um tal motorista ou qualquer outra criatura que venha com verdades mal vindas à CPMI. Os petralhas já estão experts em colocar o pé na frente de quem os incomoda. O jeito é rezar prá que os maus elementos da CPMI tenham mêdo do povo, quando pensarem nas próximas eleições.
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