Para desqualificar os judeus e o Estado de Israel, vale tudo: até comparar os judeus e o Estado de Israel – os judeus! o Estado de Israel! – à Alemanha nazista.
Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Muito oportuno, neste momento, o lançamento no Brasil de Os judeus não contam (Avis Rara, 2022), do roteirista e escritor britânico David Baddiel. Publicado originalmente em 2020 – bem antes, portanto, dos recentes ataques terroristas do Hamas – o livro investiga um fenômeno curioso: a conivência com o antijudaísmo por parte de pessoas e movimentos sociais que se orgulham de combater todo tipo de preconceito, do capacitismo e da gordofobia ao racismo, à homofobia e ao etarismo.
Ao comentar inúmeros exemplos cotidianos de antijudaísmo velado ou explícito (que provocam zero indignação na mídia), Baddiel constata com tristeza que os judeus não contam como minoria a ser defendida pelos progressistas. O que é bastante estranho, porque os judeus são, objetivamente uma minoria perseguida há milênios – e que foi vítima de um verdadeiro genocídio e de incontáveis pogroms ao longo da História.
Ele próprio judeu (e de esquerda), Baddiel lamenta que os judeus tenham sido deixados de fora – pela esquerda – da agenda identitária, que ele resume muito bem: a politica de identidade, afirma, substitui os temas tradicionais pelos quais a esquerda lutava (basicamente ligados à economia, como a exploração da classe trabalhadora) por questões ligadas a minorias: o dever de esquerda deixou de ser apoiar o trabalhador e passou a ser levantar as bandeiras identitárias – estratégia muito mais eficaz de dividir a sociedade e disseminar o ressentimento, como ferramenta de conquista do poder.
Um dado para reflexão: existem hoje, no mundo inteiro, cerca de 15 milhões de judeus, dos quais cerca de 7 milhões vivem em Israel (a título de comparação: a população da cidade de São Paulo é de 12,5 milhões de pessoas).
Segundo o governo israelense, em 1939, às vésperas da Segunda Guerra, existiam 17 milhões de judeus no mundo – número reduzido para 11 milhões nos seis anos seguintes, graças aos campos de concentração e às câmaras de gás de Hitler. Ou seja, até hoje, quase 80 anos depois do final da guerra, o povo judeu ainda não se recuperou das perdas humanas provocadas pelo Holocausto.
Já o número de muçulmanos é estimado hoje em 1,8 bilhão – um quarto da população do planeta. Estudos demográficos demonstram que, até 2070, haverá mais muçulmanos que cristãos no mundo.
Estudos demonstram também que, se o fluxo migratório e as taxas de natalidade relativas continuaram no mesmo ritmo, a Europa será um continente de população majoritariamente muçulmana até 2050 – como demonstra Douglas Murray no livro A estranha morte da Europa, que merece um artigo à parte. (Outro livro que recomendo muito para e entender o que está acontecendo na Europa é o romance Submissão, do francês Michel Houellebecq.)
(Atenção! Não vai aqui nenhuma islamofobia: estou apenas registrando dados – que, aliás, não devem surpreender ninguém que tenha visitado recentemente qualquer capital da Europa.)
Mas qualquer um que critique a política de abertura das fronteiras adotada nas últimas décadas pela maioria dos países europeus é imediatamente desqualificado como racista e fascista – o que encerra qualquer debate.
Aliás, não há hoje debate político que não termine com os progressistas acusando seus adversários de nazismo, seja qual for o tema em discussão. É a Lei de Godwin em ação. É a democracia de um lado só, o fim da liberdade de expressão e do direito de discordar – tudo isso em defesa da democracia.)
O preconceito contra os judeus não é apenas socialmente aceitável, é até percebido como um dever moral por determinados grupos. Judeus costumam ser tratados por muitos progressistas não como uma minoria barbaramente perseguida, que corre até hoje risco real de extermínio, mas como uma raça de vilões e opressores, que não tem direito sequer a um território – varrer Israel do mapa é um objetivo declarado do Hamas, presente em seu estatuto.
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