De onde vêm e a que interesses servem as pesquisas que inundam o noticiário indicando quem será o próximo presidente - mas quem acredita nelas?
Silvio Navarro para a Oeste:
Em maio do ano passado, a edição
62 de Oeste chamou a atenção para um fenômeno em curso no
Brasil: a multiplicação de pesquisas eleitorais, algumas com disparidades
gritantes, replicadas à exaustão pela imprensa. Nos meses seguintes, o volume
de levantamentos aumentou. E o brasileiro acostumou-se a acordar ao menos uma
vez por semana com uma manchete indicando quem deverá ser o próximo presidente
da República. Mas qual é a explicação para essa usina de sondagens eleitorais?
Há algumas respostas. A
primeira é que, cada vez mais, instituições financeiras, empresas e veículos de
comunicação querem se sentir parte do jogo político. Como a mídia repercute
qualquer notícia contra o governo Jair Bolsonaro, por exemplo, visibilidade já
é negócio garantido. Contudo, não há - nem são exigidos - registros em jornais,
sites, revistas ou emissoras expondo detalhadamente o questionário nem a
metodologia aplicada. Eles publicam e ponto.
Outro dado importante é que a
pandemia barateou um processo que já fora trabalhoso e caro. Muitos desses
levantamentos nem sequer são feitos em campo - mas, sim, por um computador, por
meio de ligação telefônica, ao custo de, no máximo, R$ 0,10 - ou nem isso,
conforme o pacote de dados. Isso, convém frisar, não é uma "jabuticaba". Nos
Estados Unidos, hoje em dia também funciona assim, como ocorreu na disputa
entre Donald Trump e Joe Biden.
O processo é similar ao usado pelas operadoras de TV por assinatura, por exemplo, para atender um cliente que liga para reclamar da oscilação do sinal. Só que nas pesquisas é o robô que faz a ligação e pergunta: "Se você acha que o governo é bom, disque 1; se acha que é regular, disque 2; péssimo, 3". Há menos de uma década, uma pesquisa encomendada a um instituto tradicional não custava menos de R$ 200 mil - valor repartido entre uma emissora de TV e um jornal ou revista.
É natural questionar se, de
fato, as empresas de pesquisa sabem a veracidade das informações de quem está
do outro lado da linha - e se alguém atendeu, de fato, à chamada. Mas elas
parecem ter descoberto uma fórmula infalível: quanto pior o resultado para Jair
Bolsonaro, maior a exposição na mídia e nas redes sociais. É um tiro certeiro.
Quem financia?
As instituições financeiras,
especialmente os bancos de investimentos, também enxergaram nas pesquisas que
levam a própria assinatura um bom negócio para atrair e fidelizar clientes.
Tornaram-se produtos oferecidos aos interessados em descobrir qual será o
desfecho do instável cenário político brasileiro. Seguramente, muitos leitores
já receberam em algum grupo de WhatsApp a mensagem de um amigo dizendo que iria
compartilhar dados de uma pesquisa do banco X ou Y. Ou seja, não é preciso mais
ler o jornal para saber o resultado: o cliente tem ou recebeu em primeira mão.
Em dezembro, um levantamento
do site Poder360 revelou que, desde outubro de 2020, instituições financeiras e
empresas pagaram por 22 pesquisas sobre as eleições deste ano. Nenhuma delas
feita por institutos que os brasileiros já estavam acostumados a ver no
noticiário, como o Datafolha ou o Vox Populi. São novos "cientistas" de dados,
que encontraram um nicho de mercado.
Como o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) só impõe regras para a realização de sondagens dentro do ano
eleitoral, até o último dia de 2021 essa foi uma verdadeira terra sem lei. Esse
cenário mudou neste mês, quando todas as entidades passam a ser obrigadas a
fazer registro prévio do material - o cadastro precisa ser protocolado até
cinco dias antes da divulgação, conforme o artigo 33 da Lei 9.504/1997, a Lei
das Eleições. Com certeza, o volume de pesquisas vai refluir, porque os
critérios são rígidos, e a divulgação sem o aval do TSE - o que inclui plano
amostral, quem financiou e onde foi feita, por exemplo - constitui crime.
Provavelmente, as próximas
sondagens não vão ter no questionário perguntas como as feitas pelo Vox Populli
em maio do ano passado: "Pelo que você viu ou ficou sabendo, você acha que Lula
e o PT foram perseguidos nos últimos anos, com o impeachment da Dilma e a prisão
de Lula, ou não houve uma perseguição contra eles, foram tratados da mesma
maneira que outras lideranças políticas e partidos?". E ainda: "Quanto
Bolsonaro é responsável pelas mortes por coronavírus no Brasil?".
Por que erram tanto?
Se as pesquisas eleitorais
fossem uma ciência 100% séria - e não servissem de ferramenta de campanha nem
máquina de "cliques" na internet -, as páginas dos jornais no dia seguinte às
urnas não seriam povoadas por analistas tentando justificar erros crassos. Isso
já ocorre no Brasil há pelo menos uma década. As teorias são as mais
estapafúrdias possíveis: o instituto tal conseguiu flagrar uma onda de
crescimento de última hora, a abstenção recorde foi decisiva por causa das
chuvas - ou do sol, se o domingo for propício para praia. A manchete favorita
na manhã de votação é quase sempre igual: os candidatos chegam em empate
técnico no dia "D".
No último pleito municipal,
por exemplo, o Ibope informou, na véspera, que a comunista Manuela D'Ávila
tinha vantagem numérica de 2 pontos porcentuais sobre Sebastião Mello (MDB).
Até ela acreditou. Deu entrevistas em êxtase e por pouco não anunciou um futuro
secretariado. Mello foi eleito com quase 55% dos votos. Em Vitória (ES), não
foi diferente. O mesmo instituto afirmou ter captado um crescimento vertiginoso
do ex-prefeito petista João Coser, que estava empatado com Delegado Pazolini.
Sites e perfis de esquerda comemoraram a virada contra o "bolsonarista".
Pazolini ganhou com mais de 58% dos votos.
Há quatro anos, ocorreu o
mesmo nas disputas pelos governos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os
principais institutos não cogitavam os eleitos Romeu Zema (MG) e Wilson Witzel
(RJ) sequer no segundo turno. Em solo mineiro, só estavam no páreo o então
tucano Antonio Anastasia e o petista Fernando Pimentel. O desconhecido Zema foi
eleito no segundo turno com 72% dos votos. Witzel também ganhou, mas acabou
deixando o governo pela porta dos fundos por excesso de bandalheiras.
Na corrida presidencial,
ninguém errou mais feio do que o Datafolha, quando publicou, dez dias antes do
pleito, que o petista Fernando Haddad venceria Jair Bolsonaro "em qualquer
cenário". O Vox Populli foi além, a ponto de sites como o da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outros satélites celebrarem a virada nas
últimas horas. "A virada de Haddad foi em cima dos indecisos, que estão optando
pelo petista, quando entendem o que está em risco", disse na época Vagner
Freitas, presidente da central.
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