Questionados sobre as
maiores qualidades de Donald Trump, muitos eleitores do empresário costumam
citar sua recusa em ser "politicamente correto".
"O grande problema
deste país é ser politicamente correto", disse o pré-candidato Republicano
em 2015 quando indagado sobre declarações ofensivas que havia feito contra
mulheres.Em sua campanha, o empresário já afirmou que imigrantes mexicanos eram "estupradores", defendeu impedir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e insinuou que uma jornalista havia lhe tratado com rispidez porque estaria menstruada.
Na mesma medida em que inflama seus críticos, as posturas lhe rendem elogios entre seus apoiadores, para quem Trump apenas "diz as coisas como elas são". Segundo eles, ao se posicionar sobre os mais variados assuntos, o empresário não se curva a sensibilidades e patrulhas linguísticas que dificultam o combate de problemas reais dos Estados Unidos, como a criminalidade e o terrorismo.
Análises indicam, porém, que a cruzada de Trump contra o politicamente correto se insere numa batalha política e cultural mais ampla, que vai bem além da linguagem. O embate muitas vezes põe direita e esquerda em lados opostos e se reproduz em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil.
Da Guerra Fria à cultura
Em artigo recente no The Washington Post, Philip Bump analisou o emprego da expressão "politicamente correto" ao longo da história americana. Ele diz que a expressão ganhou popularidade durante a Guerra Fria, quando era normalmente associada ao comunismo.
Naquela época, diz o
articulista, "politicamente correto" era o que o regime soviético
considerava correto. Ele cita uma reportagem de 1985 sobre uma importadora de
discos. "Atualmente o jazz é politicamente correto na União Soviética",
dizia o texto.
Nos anos 1990 e com a
implosão do regime soviético, Bump diz que a expressão passou a ser mais usada
no campo cultural, ligada a práticas ou expressões que deveriam ser evitadas
por ofender certos grupos.
É nesse contexto que muitos
passam a associar o "politicamente correto" a uma postura cerceadora
e que muitas vezes beiraria o ridículo.
Alguns críticos costumam
citar, ao exemplificar o que consideram exageros dessa atitude, o cancelamento
da peça Diálogos da Vagina por uma faculdade de Massachusetts em 2015.
Tida como um manifesto
feminista ao ser criada nos anos 1990, a peça foi rejeitada pela faculdade
Mount Holyoke por não ser inclusiva o suficiente: estudantes avaliaram que ela
ignorava a experiência de mulheres transexuais sem vagina.
Um artigo recente na
Chronicles Magazine, publicação de um instituto conservador americano, diz que
o pensamento politicamente correto cala ou torna objeto de ódio e escárnio
todos que se recusam a seguir seus códigos.
O objetivo da prática,
segundo a revista, é exercer um controle social que "torne impossível a
pessoas comuns manifestar suas queixas publicamente de uma maneira aceitável,
de modo que suas objeções possam ser facilmente rejeitadas como expressões de
preconceituosos ignorantes".
Para alguns, esse
comportamento põe em risco a própria comunicação e se choca com a Primeira
Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão.
No outro lado da disputa,
muitos avaliam que ser "politicamente correto" significa apenas
tratar as pessoas com respeito, e que a oposição aos códigos é alimentada por
grupos que se recusam a rever privilégios ou deixar de usar expressões
racistas.
Um artigo no Christian
Science Monitor diz que, para as gerações que cresceram sob essa filosofia,
"o discurso é uma arma, e suprimir palavras que possam ser vistas como
ofensivas ou odiosas é a nova fronteira dos direitos civis".
Etiquetas
Diante desse embate, há quem veja argumentos válidos nos dois campos.
Diante desse embate, há quem veja argumentos válidos nos dois campos.
Em artigo na revista The
Atlantic, Conor Friedersdorf diz que alguns códigos politicamente corretos -
como a crença de que americanos muçulmanos merecem ser tratados como os demais
cidadãos - ajudam a impedir que pessoas inocentes sofram injustiças.
Por outro lado, ele afirma
que algumas práticas são "etiquetas arbitrárias que pessoas formadas em
faculdades concorridas usam para se sentir superiores a outras".
"Entre as normas chave
que são vitais à democracia e as demandas mais frívolas por correção política
há muitos territórios em disputa", afirma o autor. Para ele, a ascensão de
Trump mostra que pessoas que rejeitam os caprichos da elite intelectual estão
ganhando espaço nesse embate.
Friedersdorf diz que
críticos do "trumpismo" devem estudar os danos causados pelos exageros
dessas normas, identificar quais delas merecem ser defendidas e convencer os
americanos a adotá-las voluntariamente, e não sob a ameaça de humilhação
pública.
Mas os contornos que o
debate vem ganhando nos últimos anos sugerem que a pacificação da disputa está
bem distante.
Para Philip Bump, do
Washington Post, a expressão "politicamente correto" virou um
guarda-chuva para várias ideias associadas à esquerda, como a defesa do
casamento gay, da igualdade de gêneros e de ações afirmativas em prol de
minorias.
Não por acaso, outros
políticos que concorrem ou concorreram com Trump nas prévias Republicanas
também condenaram práticas "politicamente corretas".
Seu principal oponente, o
senador Ted Cruz (Texas), disse que a "correção política está matando
pessoas", pois impediria o governo de investigar a comunicação de
potenciais extremistas muçulmanos. Para o neurocirurgião Ben Carson, que deixou
a corrida há poucos dias, a "correção política está arruinando nosso
país".
No Brasil, políticos
conservadores também têm se insurgido contra essas normas. O deputado federal
Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos principais expoentes do grupo, costuma dizer que
"estamos vivendo a ditadura do politicamente correto".
Tanto no caso americano
como no brasileiro, o discurso ganha força após vários anos de governos mais à
esquerda, que assumiram bandeiras em favor de minorias.
Curiosamente, Philip Bump
nota que o sentido da expressão tem se reaproximado do que tinha na Guerra
Fria.
"'Politicamente
correto' hoje é em grande medida um sinônimo para 'o modo como a esquerda
age'", diz ele.
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