A Central Única dos Trabalhadores promoveu nesta quinta, no Rio,
uma daquelas manifestações indecorosas de apoio aos mensaleiros a que volta e
meia se dedica. Exige a libertação dos presos. Só vai acontecer se Dilma
resolver indultá-los. A Constituição lhe dá esse poder, mas não creio que a Soberana
a tanto se atrevesse. Se ela pode ter José Dirceu preso, por que iria querer
soltá-lo, não é mesmo? Coisas formidáveis foram ditas lá. A personagem da noite
foi o deputado negro Edson Santos (PT-RJ), ministro da Igualdade Racial no
governo Lula.
Numa manifestação de fato estupefaciente, ele afirmou, segundo
informa a Folha:
"Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão".
"Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão".
Como entender a frase? Bem, comecemos pelo óbvio. O deputado
petista está bravo com as decisões tomadas por Barbosa no julgamento do
mensalão. Até tive a curiosidade de rever a lista dos condenados e dos presos.
Não há nenhum negro no grupo. Assim, Santos certamente não se feria à cor da
pele dos brutos - incluindo, evidentemente, a de José Dirceu. O "negro" da sua
fala é uma metáfora e, na expressão mais perversa, uma metonímia.
Para o deputado, "negro" é a palavra que designa a vítima da
injustiça, da exclusão, da opressão. Assim, na sua cabeça ao menos, José
Dirceu, na escala dos martírios, foi promovido da condição de corrupto e
quadrilheiro, crimes pelos quais Barbosa o condenou, à de… "negro". Santos está
associando a descriminação de que são alvos as pessoas com essa cor de pele
àquela que o ex-ministro sofreria hoje (???). E quem é o seu algoz, o seu
feitor, o seu capitão do mato? Ninguém menos do que Joaquim Barbosa.
Escrevo há muito tempo neste blog sobre o que defini como “racismo
de segundo grau”, muito mais sofisticado do que a descriminação pura e simples,
bronca, brucutu, ignorante - que é aquela do sujeito que não suporta "o outro"
porque diferente dele, seja preto, amarelo, vermelho e, claro!, a depender do
grupo, branco. Esse racismo meio visceral, que nasce da ignorância, acredito, é
mais fácil de combater. Eu confio no valor da educação e no peso dos fatos.
Há um outro racismo, este mais sutil, que pretende deitar um olhar
caridoso sobre a diferença. É muito influente na nossa imprensa. Mistura-se,
não raro, com o racialismo e pode ser cultivado por brancos e negros. Esse
racismo consiste em ver o mundo segundo o filtro da cor da pele. Qualquer que
seja a manifestação social, o primeiro recorte que interessa é o da cor da
pele. Seria ela o fato gerador de qualquer fenômeno social. Nesta quinta, no
STF, por exemplo, ao defender a descriminação da maconha, o ministro Luís
Roberto Barroso observou que a maioria dos pequenos traficantes presos é
composta de pretos e pobres. A expressão desse racismo sutil transforma
qualquer ocorrência social numa questão de pele - ainda que seu intuito seja "salvar" e proteger os negros.
O racismo que chamo de "segundo grau" é outra coisa. Consiste em
estabelecer um conjunto de valores, de crenças e de escolhas a que um negro
estaria sujeito porque negro. Assim, ele já nasceria menos livre para fazer as
suas opções porque necessariamente atrelado a uma pauta - pauta esta que não
nasceria de escolhas políticas, mas cairia, como diria certo barbudo, da "árvore dos acontecimentos". Tome-se o caso das cotas: um branco poderia
defendê-la ou não - afinal, ele é branco! Já um negro não teria escapatória.
Mais: esse racismo de segundo grau quer transformar o negro não
apenas num defensor da, vá lá, "causa de sua gente". Nada disso! O “negro”,
nesse caso, é metáfora, mas é também metonímia: ele é uma parte que tem de
simbolizar o "todo" das opressões. Assim, para que um "negro indivíduo" ganhe o
direito de ser um "negro coletivo", ele tem de abraçar as demandas de sua "raça", mas também as outras: não só as das ditas minorias como também as dos
partidos de esquerda. Nesse sentido, um negro autêntico, respeitável, um negro "negro", tem de ser também de esquerda.
Ora, se Joaquim Barbosa se negou a ceder às exigências do partido
que exerce a hegemonia no terreno das esquerdas e se teve uma atuação
importante para mandar os mensaleiros companheiros para a cadeia, então teria
agido como traidor, um mero "negro indivíduo" - quando o certo seria ser um "negro coletivo".
Santos, assim, procura cassar as credencias de "negro" de Joaquim
Barbosa. Para o agora deputado, só uma escolha de Barbosa era aceitável - e,
pois escolha ele não tinha: cabia-lhe inocentar o "negro" José Dirceu. Em vez
disso, segundo o deputado petista, o ministro pegou o "chicote".
Chefe da Papuda
Ah, sim: Santos informou que tudo vai bem na Papuda. Dirceu, diz ele, já está organizado a festa de Natal - segundo se entende, com outros presos. Não tem jeito. Este homem nasceu para o comando. Já foi o chefão do Planalto. Agora é o chefão da Papuda.
Ah, sim: Santos informou que tudo vai bem na Papuda. Dirceu, diz ele, já está organizado a festa de Natal - segundo se entende, com outros presos. Não tem jeito. Este homem nasceu para o comando. Já foi o chefão do Planalto. Agora é o chefão da Papuda.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário