Por Augusto Nunes
Em novembro de 2003, com o
governo Lula prestes a comemorar o primeiro aniversário, José Dirceu achava que
o retrato com a faixa presidencial enfeitando o terno escuro era questão de
tempo, algo tão inevitável quanto a mudança das estações. Neste novembro de
2013, já fotografado de frente e de perfil, o presidiário José
Dirceu veste o uniforme branco que identifica os 9 mil detentos da Papuda.
Há dez anos, o
superministro era chefe da Casa Civil, capitão do time no poder,
supervisor do PT e sucessor natural do comandante supremo. Preso há dez dias
por determinação do Supremo Tribunal Federal, é candidato ao cargo de
gerente-administrativo do Hotel Saint Peter, um quatro estrelas de Brasília. O
salário mensal estipulado pelo contrato é de R$ 20 mil. Enquanto espera a
permissão para passar o dia no local do emprego e voltar à gaiola no começo da
noite, exerce com muita aplicação as funções de xerife de cadeia.
Um mensalão no meio do
caminho transformou o quase setentão que governa a cela S 13 numa caricatura do
ainda cinquentão que reinava no quarto andar do Palácio do Planalto. Mas o
estilo é o de sempre, constatou no fim de semana uma reportagem do Estadão. "Acostumado a dar ordens,
José Dirceu impõe a disciplina na prisão", informa um trecho. "Levanta bem
cedo, faz ginástica, organiza temas para debate. É ele o mandachuva que
passa as tarefas para os companheiros e decreta a hora de fazer exercícios, de
ler, de caminhar e jogar conversa fora".
Não falta serviço para quem
administra em tempo integral o espaço de cinco metros quadrados que, sem contar
o sentinela voluntário Eduardo Suplicy, abriga outros quatro mensaleiros: José
Genoino, Delúbio Soares, Jacinto Lamas (ex-tesoureiro do PL, hoje PR) e
Romeu Queiroz (ex-deputado federal pelo do PTB mineiro). Mas Dirceu consegue
abrir espaço na agenda quando confrontado com imprevistos e emergências. Foi
ele, por exemplo, quem ajudou a manter longe do final infeliz o "princípio de
enfarte" de Genoino.
Até que o companheiro
enfermo fosse transferido para um hospital, Dirceu impediu que o vizinho
de beliche esquecesse a hora do remédio, revogasse a dieta receitada pelo
cardiologista ou sucumbisse a surtos depressivos. Aparentemente, o enfermeiro
aprendiz não fez feio: Genoino foi entregue a médicos de verdade com saúde
suficiente para conversar com jornalistas por mais de três horas.
A ausência temporária do
deputado presidiário liberou o xerife para melhorar a aparência da cela. "Aficcionado por limpeza", conta a autora da reportagem, "ele pegou um balde de
água, sabão e vassoura e puxou Delúbio para ajudá-lo na faxina". O deputado
Zeca Dirceu (PT-PR), que aprovou o resultado, não se surpreendeu com a
performance do pai. "É um guerreiro", entusiasmou-se depois de mais uma escala
na modesta sala de visitas equipada com uma mesa e cadeiras insuficientes para
tantos visitantes.
Dirceu resume a fórmula do
sucesso: "O importante é manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração
tranquilo". No momento, entre uma ordem e uma cobrança, ele se concentra nas
páginas de O Capital e suas Metamorfoses,
do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, outra tentativa de provar que o que Karl
Marx escreveu no século 19 é tão atual quanto o Facebook. Essa imersão nas
profundezas marxistas combinaria com o papel de "preso político" interpretado
pelo mais notório dos políticos presos se o Brasil não estivesse sob o domínio
dos órfãos do paraíso soviético.
Lula, que enxerga nos
dissidentes encarcerados pelos irmãos Castro gente muito parecida com a que se
amontoa nas cadeias de São Paulo, vê no companheiro condenado por corrupção um
perseguido por motivos ideológicos. Foi induzido por tais afinidades que, ao saber
da captura dos mensaleiros, decidiu consolar o antigo herdeiro com a eliminação
por telefone dos mil quilômetros que separam seu escritório em São Paulo do
presídio em Brasília. "Estamos juntos", disse o ex-presidente. Juntos mas não misturados. O palanque ambulante abre espaço na agenda até para comícios no
Chile. Mas ainda não baixou na Papuda.
Nem vai baixar: se é que
pensou na ideia de dar as caras por lá, desistiu de vez ao saber que o
regulamento em vigor na cela S 13 inclui o tópico especialmente apavorante: a
hora da leitura. Por que correr o risco de chegar bem no começo do suplício?
Qualquer livro, como se sabe, está para Lula como a luz do sol para um vampiro.
Lido em voz alta por Dirceu, com aquele sotaque, um único e escasso parágrafo bastaria
para produzir na cabeça do visitante efeitos tão devastadores quanto a mais
selvagem sessão de tortura. Melhor esperar que o guerrilheiro de festim vire
gerente de hotel e marcar um encontro no restaurante.
Fonte: "Direto ao
Ponto"
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